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Digo eu

Digo eu

Florzinha e Non-Stop

 

 

 

F - Posso pedir-te um desejo? Leva-me daqui. Só quero poder tirar os pés do chão e voar para bem longe. Não quero saber para onde. Tu que podes voar e me conheces tão bem,  hás-de encontrar um lugar ideal para mim. Doem-me os pés por todos os caminhos que percorri e em nenhum deles encontrei o que procurava. Tenho a cabeça a estalar! 

 

N-S- Espera. Calma. Eu até te posso levar. Mas afinal o que procuras tu? Queres uma vida como, fora do normal? Em que sentido? Não é por tirares os pés do chão que a vais encontrar. Olha de frente e roda a cabeça para veres bem o que se passa. Não te contentas com nada? Querias ser como eu que não consigo aterrar? O que é que te faz pensar que sou mais feliz do que tu?

 

F - Sei lá, tens asas e podes voar! Conheces o mundo inteiro visto do alto. Deve ser maravilhoso ver tudo de cima para baixo. Não sujas os pés, estão sempre macios e não te deparas com os homens cá em baixo sempre zangados. Não sabes o que significa a maldade, a hipocrisia, a corrupção. Não sonhas sequer do que os homens são capazes para satisfazer a sua vontade. Não conheces os falsos nem os fanáticos, nem sequer que há homens que matam de livre e espontânea vontade. Estou perdida no mundo cheio de gente ocupada, que não tem tempo para nada. Estou louca e temo ficar contaminada. 

 

N-S - Bem já percebi que tens que olhar melhor. Digo-te já que daqui de cima não se vê nada ao perto. É maravilhoso mas é superficial. Tu ao menos tens contacto. Tens a sorte de olhar olhos nos olhos e poder dialogar. Tens no coração essa extraordinária  possibilidade de transformar os outros. Podes toca-los com a tua sensibilidade, já pensaste?  Não acredito que não haja mais gente como tu. Tens mais sorte do que pensas. Esses pés permitem-te caminhar, sentir debaixo de ti tanto a terra como o mar. Consegues descansar o corpo dorido durante o sono da noite e até sonhar! Eu? Eu só consigo voar e só te conheço a ti, por acaso. Se não estivesses à janela naquele dia específico a ver o luar, nunca nos teríamos cruzado. Eu continuaria a voar sim, mas sempre sozinho, sem ninguém com quem conversar. É graças a ti que conheço um pouco mais este sítio onde moras e até me parece bem agradável. O que é que te fez mudar? Porque queres que te leve sem saber onde fica o tal lugar? Não fica em lugar nenhum. Eu estou sempre no ar! 

 

F - Sempre no ar? Nunca aterras? Jura que isso é verdade! Promete-me então nunca deixares de me visitar! Tenho medo de ficar sem ti, de não ver as tuas asas que me fazem sonhar. 

 

N-S- Prometo claro. E tu promete também que vais tentar ser feliz com os pés que tens, com todos esses caminhos por onde andas. Um dia vais-te achar. Tu com os pés, eu com as asas, formamos um belo par! Além disso não foste feita para não ter onde pousar.

 

F - Acho que é verdade... Nós os dois somos especiais. Eu na terra, tu no ar. É assim que devemos ficar. Foi bom termos conversado porque afinal, eu que tenho os pés na terra e tu que andas no ar, acabas por ser mais sensato.