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Digo eu

Digo eu

Bem-vindos ao Progresso

Eu não sou contra o progresso. Ele tem-nos proporcionado uma série de ferramentas que se vêm aperfeiçoando através dos tempos, facilitando imenso a nossa vida, mesmo naquilo que consideramos básico. Com ele as mentalidades também se alteraram, tanto que hoje - mas não em toda a parte - considera-se normal o que dantes era impensável (tipo as pessoas casarem por amor e não por conveniência das respectivas famílias). 

Mas falemos de coisas funcionais: imaginem se não houvesse fraldas descartáveis e as toalhitas húmidas tão práticas que servem não só para limpar rabos (desde os infantis aos senis, passando por outros igualmente sensíveis) mas cujas funções se alargaram a outro tipo de usos como, por exemplo numa emergência, tirar nódoas ou até mesmo limpar o chão. Ainda por cima as embalagens são o máximo. Imaginem se se continuasse a ter que mergulhar fraldas de pano nojentas em baldes com água a ferver com lixívia,  para depois serem esfregadas até não haver um único vestígio de porcaria, para poderem voltar a cobrir nádegas? 
 

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No entanto, há qualquer coisa aqui de errado. Nesta época em que se fala de reciclagem para o bem do planeta e da humanidade, deveríamos então voltar atrás no tempo  e manifestarmo-nos contra as fraldas descartáveis, exibindo cartazes onde se poderia ler “QUEREMOS DE VOLTA AS FRALDAS DE PANO BORDADAS”!  E quem diz fraldas, diz também pensinhos diários e outros objectos dedicados à intimidade da mulher. Já se fabricam, há algum tempo, uns cones que podem ser aplicados nos dias difíceis, que se lavam e se voltam a aplicar mas que a malta não sabe ou não quer saber, pelas razões mais variadas. 

Apesar dos pontos ecológicos por todo o lado,  das campanhas a favor da reciclagem e de haver cada vez mais gente que se diz a favor da natureza e dos animais, quando toca a separar lixo, a malta faz-se de desentendida e bota tudo no mesmo saco por uma questão  de pura preguiça.  Nessas cabeças, ser civilizado não tem nada a ver com reciclagem. Às vezes os que mais se insurgem contra a javardice humana, defendendo com unhas e dentes as florestas, os oceanos e as baleias, são os mesmos -  e eu já vi com estes olhos que a terra há-de comer -  que deitam garrafas d’água vazias pela janela ou um monte de recibos que vão acumulando na carteira e até cinzeiros a abarrotar de beatas mal cheirosas, enquanto se passeiam no seus veículos particulares. Não diz a bota com a perdigota ou sou eu que estou a ver mal? 
 

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Progresso, reciclagem e preservação da paisagem poderiam não ser incompatíveis, se a consciência humana fosse assim uma coisa brilhante e divinal, o que, como sabemos anda longe da verdade. 

E quando a gente se depara com a construção de resorts de luxo à beira mar, tudo encafuado à bruta nuns areais de sonho (nomeadamente em Cabo Verde), pensa-se no quanto o homem prefere arrasar a natureza em troca duns milhões. Digamos que o progresso tem tanto de maravilhoso como de catastrófico. Se por um lado ele é feito pelo homem a pensar no bem-estar, por outro,  temos o homem que se aproveita   das circunstâncias para alimentar tanto o seu poder como a sua ganância. 
 
 

Bendita coragem a tua

 

 

 

 

Gostava de ser como tu em plena força da vida, com imensos planos e uma lista considerável de projectos para levar a cabo. Acontece que no meu tempo, que não foi assim há tanto tempo atrás, os planos não iam muito além de acabar os estudos, arranjar emprego, um apartamento e casar. Tudo corria nessa direcção como se não houvesse nada mais importante na vida do que constituir família, cuidar dos filhos e do marido, mantendo a casa a funcionar. As mulheres já trabalhavam claro e algumas ocupavam lugares importantes, se bem que os salários ainda não eram equiparáveis aos de qualquer homem que tivesse a mesma função. 

Não era fácil ser mulher e continua a não ser. Ainda existem imensos preconceitos idiotas em relação à mulher e às suas capacidades. Alguns homens ainda se acham seres superiores só porque, geralmente, a sua habilidade física lhes permite ter mais força. De resto, e a gente sabe, as aptidões de uma mulher são tão ou mais válidas do que as do homem, que fica lixado quando confrontado com essa realidade que não é capaz de engolir. Como em tudo, há excepções à regra e até se encontram gajos bem civilizados que já não se sentem ameaçados pelas conquistas da mulher e conseguem lidar na boa com esse bendito progresso. 

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Mas voltando atrás, dizia eu que gostava de ser como tu, no que toca a essa liberdade que consegues aproveitar. Para mim, nunca me passaria pela cabeça pegar numa mala e andar sozinha pelo mundo, como uma necessidade que é imprescindível satisfazer tal não é essa gigantesca sede de tudo saber, de tudo querer experimentar de forma palpável. Não basta aceder ao computador. É preciso pisar outras terras, conhecer outras culturas e olhar a beleza em tempo real. É fundamental conhecer gente diferente, saber o que pensem e como vivem, aproveitando no caminho para fazer mais amizades, que agora são também mais fáceis de conservar, se se quiser. Dantes escreviam-se cartas que mantinham a chama acesa durante um breve período de tempo. Depois a malta seguia o seu caminho e nunca mais se sabia daquela gente que tínhamos conhecido em certa ocasião e totalmente por acaso. Só os mais persistentes conseguiam essa proeza de preservar o convívio apesar da longiquidade. Nos dias que correm, o acaso e os encontros são levados mais a sério, até porque estamos todos à distância dum click, pertencendo ou não à mesma classe social, que também já não pesa como antigamente, graças a Deus. Além do mais, correr o mundo tornou-se tão natural que é sempre possível reencontrar os amigos das viagens. 

A idade também conta, ou pensas que não? Enquanto tu não te importas de dormir num sitio qualquer e de comer a horas desencontradas,  eu preciso de descansar o corpo numa cama com edredon e almofada e fazer refeições a horas com intervalos minimamente regulares. 

Mas não é por isso que não viajo como tu de mochila às costas e em voos baratos, correndo para terminais onde o diabo perdeu as botas dentro do mesmo aeroporto, para conseguir chegar a tempo doutro voo de ligação ao destino final. Mas invejo essa determinação e a facilidade com que se pega nuns trapos e se vai em busca de aventura, alimentando a paixão de conhecer o mundo. 

 

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As minhas pernas estão cansadas e as dores nas costas são um pesadelo. Se correr, falta-me o ar e fico desidratada, sem forças para lá chegar. Além do mais, há idades para tudo. Tu tens a oportunidade da mochila e do sem compromisso, eu estou na fase da viagem organizada quando vários factores juntos o permitirem, além das raízes que me prendem à minha terra. Lá no fundo, talvez sejam meras desculpas que te estou a tentar impingir, quando no fundo sei que não tenho a mesma coragem que tu. 

 

Preciso de férias!

 

 

 

Eu cá adoro praia, areia e sol. Até gramo o vento, vejam só! É por essas e por outras que deixei de ser aquela pessoa a quem se pergunta se está bom na praia, sabendo as minhas amigas de antemão que, para mim, com vento é que é bom. Lá estou eu sempre num virote a caminho da água que, mesmo gelada está óptima e das ondas que, quanto maiores melhor.  Bastam-me 5 minutos de sol para ter voltar para o mar que acalma, de certa forma, este nervoso miudinho que vive dentro de mim em ebulição. 

 

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(reparem na posição das mãos - no mínimo ridícula) 

Mas como sempre, dado a esta minha permanente inquietude, preciso de variantes, de coisas que aconteçam extra rotina, senão viro tipo “gaja insuportável” a quem apetece mesmo enfiar um estalo ou, em alternativa, inserir um calmante pela boca abaixo, daqueles que deixa a malta contente sem saber bem porquê. 

Hoje de manhã, para não variar, lá andei eu a limpar o pó e a aspirar, passar com a esfregona embebida em água bem quente e sonasol no chão, para ver a casa minimamente decente, satisfazendo assim esta minha paranóia das limpezas. Mas atenção: eu odeio esse trabalho ingrato e não remunerado, a quem ninguém liga bóia. Suspirei ai umas 300 vezes, revirei os olhos e só me apetecia atirar-me para o meio do chão a ganir que nem uma cadela histérica, daquelas que, coitadas, precisam de alguma atenção. Às vezes é assim que me sinto. Uma cadela abandonada, velha e desolada que tem vontade de uivar a noite inteira como quem canta um fado triste, que nem as estrelas gostam de ouvir. 

Adiante... Não pensem que sou neurótica ou hiper-activa.  Nada disso! Mas também não sou do género de andar feita louca e desesperada a ligar a toda a gente só para ter um programa qualquer, que porventura até pode nem ser do meu género. 

Nestas minhas andanças escada acima, escada abaixo de aspirador em punho, pano do pó e spray multi-usos debaixo do braço, passam-me milhões de coisas pela cabeça, algumas de grande importância,  outras tão típicas minhas como por exemplo imaginar  a casa transformada de maneira a poder acolher as minhas filhas já casadas, com as respectivas famílias. Ou então, fazer dela um lugar onde pudesse instalar os meus irmãos que vivem sozinhos, resolvendo assim algum sentimento de tristeza, de abandono ou da tão famosa questão de solidão.

Conclusão: não querendo ferir susceptibilidades nem tão pouco enraivecer os que trabalham, acho que estou a precisar urgentemente dumas férias. Mas como não trabalho, o melhor é ficar quieta antes que alguém me dê um pão.

Nada melhor do que um bebé

 

 

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Não há nada melhor do que um bebé. Desde o cheiro, aos gemidos, aos pés e às mãos, à boca, à forma como se aninha no nosso colo e à paz que nos envolve quando observamos o seu sono. Ficamos em paz e ao mesmo tempo cheias de nervos, cheias de vontade de os apertar, de lhes morder as bochechas, de os encher de beijos e de os lamber de cima a baixo. De os cobrir de mimos e de canções de embalar, de lhes dar o nosso amor que já não cabe em nenhum lado de tão grande que ficou. E mais fantástico ainda quando é nosso, quando sai da nossa barriga enorme que o carrega durante 9 meses. Ele vai crescendo e o nosso corpo adapta-se e transforma-se para que ali, dentro da nossa barriga ele se possa desenvolver, alimentar-se e receber da nossa parte tudo o que é necessário.
Não há nada tão extraordinário como a maternidade, nenhum avanço tecnológico, nenhuma descoberta, nenhum progresso nem nenhuma outra transformação que lhe chegue aos calcanhares.
Ser mãe é o cumulo do privilégio, o cumulo da regalia e o cumulo da responsabilidade. Só quem é mãe é que sabe o que significa a importância dessa função, o quanto a vida muda depois dessa experiência tão única e notável.
E apesar deste mundo machista que nunca há-de deixar de ser, apesar da mulher continuar a ser considerada como um ser inferior ao homem (gostava de saber em quê), apesar de todas as atrocidades a que ainda é sujeita, apesar de tantas vezes não ser respeitada, apesar de ainda ser escravizada, ser mulher e carregar um bebé na barriga é um dom que nenhum homem lhe pode tirar.

Pessoas e gente que passa

 

 

As ruas estão cheias de gente que se cruza mas que evita tocar-se. Não há tempo de conhecer olhares e ninguém sabe da vida daqueles que passam, nem ninguém está interessado. Convém evitar os que estendem a mão pedindo esmola, os que tocam baladas em cima da ponte, os que fazem de estátua. Ninguém tem tempo de parar, muito menos de sentir alguma pena dos que não têm sequer uma refeição decente por dia nem um lugar para descansar o corpo durante a noite. Ninguém sabe onde dormem apesar de se ver que dormem onde houver lugar, sobre uns caixotes de cartão tão desconfortáveis e gelados. 

Eles dormem na rua e a gente passa mesmo ao lado, sem nenhum cuidado, falando e andando como se a vida deles não importasse, quando devem ter tanto para contar. Como foram ali parar? Que voltas deram essas vidas que acabam na rua? Ninguém sabe e poucos se importam. 

E a gente move-se dum lado para o outro, corre para apanhar o último comboio para chegar a casa, estoirada. Todos os dias o mesmo procedimento, gestos automáticos e monótonos, vidas vazias com o propósito de ganhar um salário. A grande maioria vive assim, sem ter tempo de viver, não gramando nem um pouco daquilo que faz. 

E de repente há excepções! Pessoas afortunadas que se empenham no trabalho, que se entregam com paixão à sua actividade. Pessoas que regressam a casa, felizes com o que produzem e o que conquistam, que têm tempo além do tempo do horário de trabalho. Pessoas que conseguem olhar e ver o que se passa, que se preocupam, que se envolvem. Pessoas que têm a sorte de se sentir amadas e que amam de volta porque gostam daquilo que fazem.

O homem que promete e não cumpre é um estúpido

 

 

Dá-me uma boa razão para acreditar em ti. Aquilo que se promete é para se cumprir, a não ser que haja razões de força maior, nomeadamente ter o azar de ficar sem carro em plena auto-estrada, vir o reboque para o levar para a oficina, onde o mecânico fez uma estimativa de 2 a 3 meses de espera, por causa das peças que é preciso mandar vir de fora e que são caríssimas. Ou em última análise, não querendo entrar em dramas, houve a morte de alguém que te era próximo. E tu estás em baixo, sem cabeça para nada. Aí eu entendia, ah como entendia e nem dizia mais nada, a não ser: “que pena, deixa lá... fica para depois, não te preocupes agora comigo”. 
Não me parece que seja nada disso. Simplesmente hoje em dia é assim. Promete-se o céu e a terra, jura-se pela saúde da mãe e quando se vai ver, é tudo mentira. Para quê prometer? Há tantas maneiras de escapar das promessas, dizendo por exemplo: “Não garanto nada, mas vou tentar” . Daria o benefício da dúvida com essa resposta. Mas não! Prometes sempre e nunca cumpriste até hoje, nada de nadinha. 
Já lá vai o tempo em que eu acreditava. Infelizmente abriste-me os olhos da pior maneira que é possível, prometendo vezes sem conta o que nunca fizeste tensões de cumprir - estásteacagar!
Era para me calar naquele preciso segundo e depois levares com mais um discurso. Das duas uma: Ou és masoquista e gostas de levar nas orelhas, ou nunca ligaste a ponta dum corno ao que te disse vezes sem conta. Gostas de brincar com o fogo e és um covarde. É só isso que posso pensar. De resto não me peças para acreditar nessas ladainhas infindáveis de desculpas esfarrapadas. Deves julgar que sou parva mas tu é que és muito estúpido.

 
 
 

A propósito de paz de espírito

 

 

 

 

Andamos desesperados à procura da paz de espírito, dum cantinho onde seja possível respirar ar puro e beber água fresca do riacho, enquanto suspiramos de alívio quando se faz silêncio. 

As ruas estão cheias de gente e o transito é diabólico. Tudo apita. Até mesmo a calçada incha de ser espezinhada todo o dia sob o calor tórrido que vem lá de cima. O sol é abrasador e a gente sua em bica, correndo dum lado para o outro para chegar mais depressa ao destino.

Já ninguém cabe em Sintra. É impossível apreciar a beleza daquela vila no meio da multidão que a invade sistematicamente para ver quem a conquista. 

As praias transbordam de gente que não ousa por o pé dentro da água fria. Os que se aventuram nas ondas são expulsos pelos apitos dos que temem ter que ir salvar vidas. 

Ouvimos notícias. Poucos se importam com a vida alheia e já nem ligam. Ligam às grandes tragédias, às mortes súbitas de ataques suicidas e insurgem-se contra os que causam porrada gratuita. À noite já nem se lembram. No dia seguinte há mais notícias de bombas que rebentam, de gente que fica sem nada, de crianças que ficam órfãs e de pais que perdem os filhos. Há tantas coisas que acontecem todos os dias! Uns importam-se. Outros importam-se e rezam. Outros importam-se e ajudam na medida do possível. E depois há os outros que criticam.  O quê, dar abrigo a potenciais terroristas?  

Queremos paz e silêncio mas recusamos prestar ajuda? Rezamos por nós ou pelos outros que mais precisam? É tudo tão difícil! Não sei como nem onde vamos encontrar a paz de espírito, sabendo dos que ficaram sem nada, do barulho que anda nas ruas, da gente que se atropela para chegar ao destino pela via mais rápida, ficando horas na estrada em pleno engarrafamento, para no fim se juntarem à maralha que ocupa todo e qualquer espaço de visita. Andamos atordoados todos os dias amarrados ao supérfluo. O que mais importa... bem que se lixe, adia-se. 

Meu querido Gonçalo, meu adorado sobrinho

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Imagino-te aqui e agora, lindo de se cair para a banda, com o teu ar calmo e romântico  a viveres numa casa muito tua, casado com a menina dos teus olhos e cheio de filhos a treparem por ti acima, dormindo os mais pequeninos na tua cama, aconchegados no teu corpo quente e pacífico. Imagino o teu canto cheio de livros empilhados dos mais variados assuntos, as paredes com as tuas obras de arte e nas portas espanta espíritos, feitos de bordados e conchinhas, penas e paus apanhados na praia, onde a tua figura se fundia com as ondas do mar, a areia molhada e os passos da tua família. Imagino a tua vida que nunca chegaste a viver porque partiste cedo demais, deixando-nos para sempre a tua imagem inconfundível, o teu sorriso doce como mel e a tua personalidade feita de pura magia. Tenho saudades tuas! Todos temos. Todos sentimos a tua falta e o vazio que deixaste sem ninguém  que o substitua. E hoje lembro o dia em que te foste, querendo mais ainda recordar todos os momentos maravilhosos que nos deixaste. Aqui vai o meu abraço e o meu beijo para o céu, onde passaste a morar desde aquele dia, em que o céu ganhou mais uma estrelinha.

O Yoga e eu não dá

Eu, com este ar aparentemente calmo e desprendido, sempre fui uma histérica exausta. Sempre suspirei 700 vezes por dia, de tal forma que as minhas filhas em pequeninas achavam que estar exausta e suspirar era bom sinal e uma perfeita delícia. 

Entre mulheres havia aquelas conversas habituais sobre os filhos, a casa, as idas e voltas, o pára arranca, os horários e o diabo a sete e lá vinha o assunto do :”É preciso relaxar ou acabamos todas aos gritos no manicómio”, quer houvesse ou não razões para isso. 

Bebíamos café todos os dias depois de levar as crianças à escola, onde ficávamos a dizer bacoradas e a rir,  entre outros assuntos mais sérios. A saúde era um deles e comentava-se como era imprescindível adoptar algumas técnicas de relaxamento, ter uma alimentação saudável, fazer exercício. 

Falou-se então do Yoga e das maravilhas que fazia ao espírito. Eu, que vivia sempre a mil dentro do meu corpo magro que nem um cão, resolvi alinhar numas aulas ali bem perto, só para não ser do contra e até que podia ser bem divertido.  Além do mais, a minha cabeça a mil estava a precisar de alguma calma e o meu corpo de mais saúde e motivação para não me deixar cair.  

Eu, a Joana minha sobrinha e a minha amiga Rita (que Deus tem), partimos as 3 à descoberta do Yoga e das suas maravilhas, sempre depois de beber alguns cafés, fumar cigarros e respirar de alívio por termos algum tempo só para nós. 

Depois das contas feitas e da situação regularizada, apresentávamos-nos nas aulas, frente ao instrutor, o Pedro, a quem sempre tratei por João desde o primeiro dia até ao último. 

Lá vinha ele no seu Fiat 600 cor de laranja, vestido na íntegra de cor de laranja, lembrando-me a irmandade dos Harykrisna que dançavam de cabelo rapado nas ruas de Londres, ao som de murmúrios e campainhas. 

Depois de várias perguntas e alguns risos, em que o João (Pedro) nos tentava pôr na ordem de forma calma, lá íamos nós tentar relaxar em posições de contorcionistas, em que o meu corpo de aproximadamente 40 quilos ficava ainda mais dorido. Na verdade parecia que me estavam a torturar, enfiando-me  um punhal nos joelhos, outro na goela e o último na espinha. De olhos abertos e fixando um ponto imaginário, tínhamos que nos equilibrar, sem nunca vacilar muito menos cair,  elevando uma das pernas e cruzando sobre a outra, formando o numero 4. Uma posição básica do Yoga fazia-nos suar em bica. 

Depois o João (Pedro) dizia-nos de forma assustadoramente impassível para nos sentarmos no chão, de pernas cruzadas com os pés em cima das coxas, para fecharmos os olhos e respirarmos pela barriga. Era suposto fazer o quê? Usar toda a capacidade pulmonar, expirando o ar pela boca e sentirmo-nos nas nuvens. 

A dada altura, em que eu já estava praticamente desmaiada com aquela tortura, o João (Pedro) pergunta: “Maria, como é que se está a sentir”? “PE S S I M A M E N T E”!!!! Respondi eu aflita. Bastou-me  largar essa bomba para termos todas o maior ataque de riso daqueles últimos dias. A nossa assiduidade durou cerca de 3 meses. Depois disso, dissemos bye bye ao Yoga, ao João (que sempre se chamou Pedro) e ao contorcionismo. 

Ainda tentei dar o benefício da dúvida, frequentando outras aulas durante mais de um ano que me deixaram ainda mais nervosa e desiludida.   

De facto aquilo não era para mim. Até hoje fico a pensar como é possível dizer-se que o Yoga é para relaxar, usando aquelas posições estranhíssimas, tais como fazer o pino enquanto todo o peso do corpo cai sobre a cabeça, concentrando-nos numa respiração que nos faz perder os sentidos. 

Família em 2 tons

Esta é a minha família. Dentro dela existem duas gerações bem distintas, apesar de só estar a falar de nós, os irmãos. Há os mais velhos e os mais novos. Os mais velhos tiveram uma educação talvez mais rígida mas também tiveram mais privilégios, já que houve a possibilidade na altura de lhes proporcionar uma educação à séria em bons estabelecimentos de ensino, chefiados por padres católicos (claro). Depois do colégio veio a universidade, donde saíram 2 belíssimos engenheiros e 2 belíssimos doutores de economia e finanças. A vida estava garantida, havia emprego e um salário de acordo com as habilitações de cada um. 

As raparigas era mais outra onda. Depois de acabarem o liceu, não seguiram mais nenhuns estudos, apesar da insistência da minha mãe, uma mulher de visão, que sempre insistiu que uma mulher devia ser tão instruída e independente quanto qualquer homem. Mas toda essa geração de mulheres estava mais virada para casar e ter filhos e criar uma família sustentada pelo marido. Todas elas tiveram a sorte de comprar o enxoval entre Paris e Londres, as 2 capitais mais extraordinárias de toda a Europa. Tiveram tudo do bom e do melhor, o que não impediu, a dada altura,  que muitos dos casamentos tivessem ido por água abaixo. Não sei se lhe chame sorte ou azar ao destino que lhes caiu nas mãos

A nossa casa era um espectáculo. Tudo primorosamente bem organizado, graças à força extraordinária da minha mãe e às suas capacidades metódicas e à forma de gerir tudo e todos, sem excessos ou fantasias mas com tudo o que era preciso. Nunca nada nos faltou. Graças também ao meu pai, ao seu trabalho e empenho, ao seu salário mais do que justo que permitiu gerar e sustentar toda esta “empresa difícil”. 

Os mais novos apanharam outro estilo de vida com menos regalias que os mais velhos. Levámos com todas as transformações pós revolução, uma série de cambalhotas e pontapés, juntamente com a confusão. No meio dela tornou-se difícil ter acesso a uma boa educação e a uma vida minimamente estável. Ninguém sabia o que o futuro nos reservava, sobretudo em termos académicos. Estava tudo virado de pernas para o ar, faziam-se greves às aulas, espancavam-se professores. 

O meu pai tinha chegado à altura da reforma e apesar dos cargos que ocupou de grande responsabilidade, teve direito a receber por mês, a mesma quantia que um continuo da mesma empresa. Foi tudo nivelado por baixo e não de acordo com os direitos que seriam justos. 

Os mais novos tiveram que se fazer à vida, lutando por um lugar ao sol. Os cursos foram totalmente diferentes bem como os empregos que se seguiram aos estudos. Não havia garantias de nada. Foi tudo à laia de meia bola e força como quem é obrigado a engolir um papo seco e agradecer de o ter conseguido agarrar. Andando de um lado para o outro,  fomos construindo as nossas vidas sem as bases sólidas que tiveram os mais velhos. 

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