Eu não quero dormir fora de casa
MAS PORQUE É QUE EU TENHO QUE IR? OUTRA VEZ? OH NÃO!!!
Esta era a pergunta que me fazia, sempre que me obrigavam a dormir fora de casa, sempre que a minha mãe me inscrevia em acampamentos em plena Serra da Estrela no meio do Verão.
Não havia a mínima hipótese de escapar às decisões da minha mãe e então lá ia eu contrariada, de nervos em franja e de corpo hirto, encarnada que nem um tomate e com as lágrimas a saltarem-me aos milhões.
A semana que antecedia os acampamentos (foram vários) custava-me horrores! Só de pensar que ia estar no meio de gente que não conhecia de lado nenhum, que tinha que partilhar a tenda com outras raparigas da mesma idade, umas espevitadas sempre com um à vontade demais para o meu gosto, era impossível dormir descansada. Não tinha outro remédio senão fazer de conta que achava tudo normal e que nada no mundo me sabia tão bem como estar ali enfiada no meio da escuridão.
Talvez dormir em casa de amigos seja um dos melhores programas para qualquer miúdo normal, longe da vista dos pais, mesmo que isso queira dizer que vão dormir desconfortáveis, dentro dum saco de cama, num divan ou no chão. E se for ao relento, numa varanda ou num jardim melhor ainda, mesmo que fiquem a bater o dente, tendo como contra-partida poder ver as estrelas, conversar até de madrugada e acordar à torreira do sol, com um cão qualquer a lamber-lhes a cara. Mesmo que não tenham ao pequeno almoço aqueles cereais específicos, o leite acabado de sair do frigorífico e as torradas cheias de manteiga que só a mãe é que faz, o facto de saírem da alçada dos pais é motivo de festa e um sorriso de satisfação.
Eu sempre odiei a simples ideia de dormir num quarto que não fosse o meu, numa cama que não fosse a minha, com uma almofada sem as proporções da minha, fora do meu ambiente e longe dos meus pais. Queria ter a certeza de acordar à minha hora, no meu cantinho e poder sentar-me à mesa para comer pão com manteiga que molhava numa caneca de café de cevada, poder estrelar um ovo sem qualquer cerimónia e não ter que gramar regras de pais que não eram os meus.
Os acampamentos era fatais! Todos os preparativos, incluindo fazer a mochila, eram um suplício. Chegava o dia da partida e mais parecia que me estavam a mandar para um campo de concentração. Ai a vergonha, ai a raiva, ai as lágrimas, ai de mim que ficava transtornada! Toda eu corava, toda eu tremia, toda eu me preparava mentalmente para o esforço que para mim representava ter que representar que estar na maior!
A verdade é que esses acampamentos me ajudaram a vencer a barreira da timidez, dando os primeiros passos no sentido de vencer o medo e a falta de confiança.
Vinha de lá radiante, com novos amigos e um desembaraço de fazer inveja a qualquer um.
Ainda hoje me custa dormir fora de casa. Mesmo quando vou de férias, a páginas tantas dou por mim a pensar no regresso, com saudades do meu canto.