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Digo eu

Digo eu

Crescer


Queria ter a tua energia ou pelo menos parte dela. Acordo pela manhã cheia de ideias na minha cabeça que acabo por não concretizar. Fico então com todo o tempo do mundo para pensar. Em ti e na tua vida, no valor inestimável do empenho em seres maior e na possibilidade que tens de o fazer. 
A portas abriram-se para poderes ser livre de escolher. Queria ter a certeza que estás feliz com o horizonte todo que tens pela frente e com a liberdade de decidir aquilo que bem entendes. Vê bem a sorte que tens! Ainda assim, vais encontrar pela frente alguns contra-tempos e sugiro que te habitues a essa ideia, que aprendas a aceitar que às vezes é preciso sofrer para crescer. Se tudo te fosse dado de bandeja, sem teres que te esforçar, não saberias dar o valor ao esforço que fazes. 
Quando eu era da tua idade, raramente me perguntavam do que é eu gostava ou queria fazer. Era mais naquela base de seguir um caminho que me estava previamente destinado, sem se dar tanta importância ao talento de cada um. As escolhas também não eram assim tão variadas e acabava-se por estudar uma coisa qualquer que permitisse assegurar minimamente uma vida estável e sustentável. A partir dessa base fazia-se o resto. Não se pensava tanto na questão de desenvolver uma vocação, que ficava assim reprimida por outras escolhas que não eram nossas. Mesmo assim tenho que agradecer - Não sou uma frustrada e não culpo ninguém de ter seguido o meu caminho, que podia ter sido bem diferente. Sou grata por tudo o que tive, pela dedicação dos meus pais, pelo meio onde nasci, pelos princípios que me foram passados, por esta família enorme onde há de tudo, incluindo a disfuncionalidade. Tenho que agradecer também o facto de ter vivido fora (não por opção minha) o que me abriu a cabeça e me fez ver mais longe do que outras pessoas da minha idade. 
Tinha sonhos como tu os tens e imagina só que continuo a sonhar. Não quero fechar as portas à esperança, nem às fantasias, nem aos sonhos. Isso seria como dar por encerrada toda uma vida que ainda não acabou. 
Comecei já tarde a desenvolver os meus talentos e a dar-lhes importância. Sei que nunca é tarde para se começar, mas mesmo assim, acredito que poderia ter ido mais longe se tivesse começado mais cedo, ou se a minha aprendizagem tivesse passado pelas artes.
O problema é realmente a energia que se vai esgotando. O entusiasmo é outro, mais comedido talvez, por saber que a realidade me obriga a andar com os pés no chão, quando o que eu gostava era de voar. 
Mas sabes que mais? Adoro ver o teu voo - É demais! Para mim, acompanhar esse crescimento é como se eu própria estivesse a voar. Pedia-te então que te abrisses mais comigo, que falasses mais sobre ti e sobre as tuas experiências. Gostava de saber o que sentes e o que mais te emociona nessa aventura que é crescer. 
P.S.: Sei que tens muito que fazer e que nem te lembras de ler estes meus recados, em textos que vou escrevendo a pensar em ti.
 

 

 

 

 

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Homem triste, pobre mulher

 

 

 

Hipoteticamente, o homem já não precisa de companhia, o que é triste.  Tem tudo à mão de semear num computador de bolso que leva para todo o lado, ficando cada vez mais isolado. 

É uma espécie de guia espiritual e a sua companhia mais assídua, tendo-se tornado num vício tremendo que o afasta de toda a gente.

Já não precisa de fazer charme nem de entrar em diálogos, podendo em vez disso comunicar através das teclas do seu maravilhoso computador de bolso. Está mais avançado no tempo do que o  2001 odisseia no espaço. Que digo eu? Muito mais avançado! Afinal esse filme é do século passado e retrata mal a existência do homem no futuro - HOJE

Bem, o que eu sei é que HOJE, o homem continua a afastar-se do planeta para andar mais concentrado na informação que lhe chega de toda a parte. Ela vem lá de cima,  através duma rede complicada via satélite,  que a gente mais simples não consegue entender, assim como também não acredita que o homem já aterrou um dia na lua, navegando dentro duma cápsula minúscula a cuspir fogo da cauda. 

Tenho presente na minha cabeça, a imagem de pobres casais enfiados nos cafés a beber uma bica, em que a desgraçada da mulher ficava incomodada pela falta de atenção do marido, que tinha os cornos enfiados numa merda dum jornal. Ela por sua vez disfarçava, abrindo e fechando a mala para retocar o batom ou colocar um pouco mais de pó de arroz na sua cara triste e conformada. Dava vontade de chorar.  

Na era moderna, passámos do egoísmo machista para termos o triste cenário de marido e mulher viciados em tudo o que o computador de bolso lhes oferece - O machismo, esse nunca há-de acabar.  

Conversar é um verbo que passou de moda.  As dúvidas existências ou os problemas entre casais não se discutem mais. Hipoteticamente também já não se namora. 

Parece haver um certo repúdio pelo toque ou pela fala, substituídos pela oferta variada e tão cómoda dos computadores de bolso, esse aparelho fenomenal que custa os olhos da cara, que se troca cada vez que surge um ainda melhor no mercado.

A casa pode cair aos bocados que é um bocado indiferente. Já não há prazer nenhum em fazer o jantar ou em pôr a mesa duma forma romântica com velas de ambos os lados. Traz-se comida de fora que é tão mais prático e poupa-se uma data de massa para gastar no último grito em tecnologias avançaderrimas. Que se lixe o convívio. Dialogar é uma treta que acaba sempre em discussão da grossa. Então a malta tem uma boa desculpa para andar calado, euforicamente cabisbaixo, o que é uma hipótese ou um facto concreto.   

Se o silêncio fosse por uma boa causa! O pior é que o silêncio se tornou incómodo quando não há computadores de bolso no bolso. Os casais enfrentam-se com o terror de se verem obrigados a falar, ou não. Hipoteticamente, ainda existe a desculpa de sair para ir beber uns copos. Juntos? Não, não. Separados é melhor. 

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Um dia perfeito

 

 

 

 

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Escolhi o dia de hoje para ser perfeito, só para o dedicar às pessoas da minha vida. 

Quero-vos oferecer tudo o que sinto, homenageando cada um que me honra com a sua presença, os que me ensinam e os que dão afecto.

Sinto-me abençoada por vos conhecer e por vos ter por companhia, seja no dia a dia, de vez em quando ou raramente.  

Sou sensível graças a Deus. Entro na frequência daqueles a quem me apego e cada um à sua maneira ou à minha, passa a fazer parte de mim.

O esforço é nulo porque sou assim. É tudo ou não é. Não há indiferença no que me nutre, no ar que respiro ou nas estrelas que vejo, que fazem brilhar os meus olhos por nascer a cada momento que sinto a perfeição dum dia assim. 

Aproveitem todas as minhas partes que hoje se encontraram.  As sensíveis e as chatas, as casmurras e as sensatas, as românticas e as práticas e até as que sentem saudades, quer de corpo, quer da alma. 

Ah os meus bebés fazem-me falta! Longe dão cabo de mim. Mas hoje o dia é perfeito ainda assim. 

 

Desafio

 

 

 

Todos os dias o mundo desaba debaixo dos meus pés. Não são só as guerras injustas e a ganancia dos homens pelo poder, as mortes de milhares de inocentes, a pobreza evidente dos que passam fome, a falta de caridade pelo próximo, o egoísmo que sobe em flecha descaradamente, pior do que os gráficos das temperaturas que desmontam icebergues, como se fossem peças de lego que fazem subir o nível dos oceanos, ou as espécies de todo o tipo que se extinguem do planeta. 

Não são só as crises económicas ou a postura dos políticos que fazem de tudo para se manterem no poder, o dinheiro sujo que se troca já sem se esconder, ou a justiça que se adia e acaba por prescrever. 

São sobretudo as pessoas que ainda me espantam. As atitudes que tomam quando sacodem a água do capote, soprando para o ar impacientes, não assumindo a responsabilidade nem a culpa que às vezes têm e que dizem não ter. É o orgulho besta, a falsa modéstia e a hipocrisia por excelência. É a falta de humildade e o convencimento absoluto de estar sempre certo, seja qual for o assunto que esteja em cima da mesa. É a incapacidade de dar o braço a torcer, pedir desculpa e esquecer, por pura satisfação em ser desmancha prazeres.

Há outras pessoas ainda que me espantam, por conseguirem ser tão boas no meio do mundo que desaba debaixo dos seus pés. Os que sabem amar e nunca desistem de ser felizes. Os que lutam para concretizar sonhos, por mais escuros que sejam os seus dias. Os que ajudam espontaneamente sem pedir nada em troca e agradecem todos os dias o milagre da vida, ainda que a vida seja injusta. São esses que devemos seguir, apostando no desafio da mudança de atitude. 

Os caminhos de Fátima

 

 

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 Ninguém veio santo de Fátima nem era essa a nossa intenção (atrevo-me a falar por todos). Viemos antes cansados e felizes pelo reencontro com alguns membros da família, já que nunca é possível estarmos todos ao mesmo tempo no mesmo local, à mesma hora e com o mesmo propósito. É muito difícil e cada vez mais raro juntar esta gente toda que cresce a cada minuto e se espalha por todo o lado. Há quem diga que somos uma praga. Eu diria que somos uma árvore rara, cujos ramos nem sempre se tocam por variadas razões. 
No regresso a casa vinha deslaça no carro, a maior parte do tempo calada que nem um rato a pensar com os meus botões. Tinha as pernas a latejar e a sensação de ter um cão com as mandibulas cravadas nas costas, com todo o tempo do mundo para para pensar naquilo tudo, principalmente na paciência do meu irmão Zé, cuja persistência não vacila no que toca à organização penosa desta pequena peregrinação anual, não desistindo nunca de nos juntar à volta do fenómeno de Fátima. Cada um de nós vai e pede pelas mais diferentes intenções ou agradece aquilo que tem que agradecer.
Eu não teria nem um décimo desse empenho nem dessa capacidade. Ainda bem que ele mantém esse objectivo, mesmo tendo eu a certeza que já lhe passou várias vezes pela cabeça mandar tudo às urtigas e dedicar-se a outra coisa menos penosa. No final de cada peregrinação deve sentir que afinal, o resultado final compensou largamente o esforço, as dores de cabeça, os ataques de nervos e a tolerância, enquanto espera ansioso por cada sim ou não. 
Fizemos a via sacra seguindo-se a caminhada debaixo dum sol abrasador. Foram criados 3 grupos distintos: os mais velhos, os do meio e os mais novos para se falar dos assuntos específicos deste ano, incluindo o amor na família , o que cada um achava que devia ser melhorado e quais eram as maiores dificuldades em cumprir o que nos foi proposto. É das raras alturas em que se consegue falar a sério, mesmo entre risos e disparates, abraços e beijinhos que nos apetece dar a quem bem entendemos, criando-se alguma intimidade nos momentos de pausa para descansar, beber água e fumar umas belas cigarradas.
Nos momentos de reflexão houve tiradas hilariantes, discursos profundos e desabafos interessantes à laia de confissão. Falou-se dos amuos, da rebeldia, dos ataques de mau feitio, do amor pelos filhos, do poder da oração, concordando-se ou discordando-se, mas pelo menos dispostos a ouvir o que cada um tinha para dizer, sem ser imediatamente interrompido por outra opinião. Ninguém estava ali para julgar ou para ser julgado, mas sim para aproveitar o momento de oração, nem sempre no sentido óbvio da palavra. 
Correu tudo lindamente. Rezamos um terço cantado e cada um teve a oportunidade de fazer momentos de introspecção. 
Afinal todos acreditamos nas aparições de Nossa Senhora aos 3 pastorinhos, naquele lugar que se tornou sagrado a nível mundial e onde se sente uma aragem diferente e tão especial, quer se seja inteiramente praticante ou não.

 

Promete-me chorar

Ai meu Deus tanta emoção junta! Nem sei como dá para aguentar este movimento que não pára nunca de percepções e memórias. Estou feita num 8 e sabes porquê? Porque de há uns tempos para cá comecei com a mania de controlar a minha postura e até as minhas expressões faciais quando sinto alguma coisa. Sempre me disseste que eu era estranha por não chorar.

Vou tentar explicar essa questão perturbadora ou desconcertante, enfim essa parte de mim que te incomoda e que me incomoda a mim também. Se me perguntares como é que ganhei essa mania e em que altura da minha vida, acho que nem te sei responder. 

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Lembro-me sim de ser de lágrima fácil, de ter o corpo inteiro a chocalhar com os soluços que me vinham da alma. Achei melhor controlar-me, talvez por vergonha que os outros me vissem naquele estado miserável, como se o mundo tivesse acabado. Era sempre isso que acontecia quando eu chorava. Naquele preciso momento o mundo acabava e o drama era real.

Bastava que os meus irmãos se baldassem ao meu jantar de anos, que ainda por cima são logo a seguir ao Natal,  para eu ficar uma lástima. Toda eu era ranho, toda eu era lágrimas e sentia essa ausência como uma traição ou um abandono. 

Nunca gostei de traições muito menos de abandonos. É triste e desumano! Sempre foi execrável fazer anos depois do Natal. A festa já tinha sido, com todos os preparativos que duravam uma eternidade. Era memorável o Natal na nossa casa e até hoje me lembro com saudade de tudo o que ali se passava. A casa quentinha e enfeitada, o presépio cheio de figuras dispostas nos devidos lugares, assente sobre musgo apanhado por nós na mata. A Missa do Galo e a ceia com tudo o que havia de melhor e as companhias tão agradáveis. Nós radiantes naquela casa em tempos felizes que já lá vão.  

Depois vinham os meus anos naquela data mesmo estúpida que não lembra a ninguém, pendurada num dia qualquer entre o Natal e o Ano Novo. Era mesmo para esquecer. Afinal havia outras coisas mais importantes para fazer, como pensar em preparar outra festa maior - A entrada no ano seguinte, os agradecimentos e os pedidos, enfim as intenções. 

Eu tinha o pretexto para chorar de não ligarem assim tanto à minha data. Tinha outros pretextos - claro - e qualquer um servia para me desmanchar. 

Achei que devia ser mais forte sem nunca perder a sensibilidade que me era inata. Fazia força para não chorar quando tinha vontade, sorrindo para disfarçar. As dores de cabeça eram tantas que pensei que ia enlouquecer. Toda eu me contraía e ficava tão hirta quanto o ACTION MAN!  Quando penso nisso, acho ridículo - sinceramente.  Só sei que o tempo foi passando e eu fui desaprendendo a nobre arte de lavar a alma, o que é um desastre. Dizem que tenho um ar triste. E tu o que é que achas?  

Se queres que te diga a verdade, espero que não faças o que eu fiz e que nunca de inibas de chorar, ou ainda ficas velha antes de o seres. Para ser forte estou cá eu, fingindo sê-lo ou sei lá! Chora. Chora bastante. Chora sempre que tiveres vontade sem te preocupares com o que os outros possam pensar. 

A caminho de Fátima


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Os meus ataques. Sempre os meus ataques que me entram porta adentro sem avisar,  indiferentes à minha resistência ou à falta dela. Instalam-se como se isto fosse tudo deles, dando-me assim um enjoo e uma atracção esquisita pela minha almofada.

Resisto até certo ponto. Não resisto quando se trata de comer chocolate ou amendoins com uma sofreguidão quase boçal. Não é uma questão de fome. Antes fosse! Anda tudo à roda da aflição de sempre, o eterno e tão estafermo estado de ansiedade. Ponho-me às voltas e tento reorganizar-me. É preciso ter calma. Mas antes da calma chegar, sinto o coração a bater-me na goela e um cansaço sui generis, daqueles que só apetece hibernar. Daí eu falar da fatal pela almofada.  

Por mais que eu tente assobiar para o ar ou  fingir que não é nada comigo, não consigo evitar que o pensamento me fuja  em direcção a coisas que eu não quero nem pensar. Ah os malucos e os deprimidos, os que têm o rabo colado à cadeira, o coração dormente que já pouco sente e a cabeça atormentada por fantasmas. Deus me livre disso!

 “Ai filha estás uma mistura explosiva entre aquela e a outra”! Apontam-me o dedo cheio de evidências e certezas,  sem lhes ocorrer que, lá no fundo, essa comparação não tem a menor graça. Não pretendo citar nomes. Não me quero parecer com ninguém senão comigo mesma, sem ficar agarrada à desculpa de que somos todos inevitavelmente iguais, pura questão de genética, como se fosse a melhor desculpa para tudo o que nos corre nas veias! Não tenho paciência para essa conversa. 

Tenho os meus ataques e os outros têm os seus. Todos os temos. Uns porque são ansiosos, outros porque têm manias, outros porque vivem insatisfeitos com o dia a dia e outros ainda por outras razões quaisquer. Não sei de ninguém que seja perfeitamente equilibrado, que ande sempre contente, que ache tudo perfeito. Se há gente assim, eu desconheço e nem nunca ouvi falar. 

Há quem tente arranjar equilíbrio no meio das correntes adversas e há quem se deixe arrastar para se juntar aos patéticos, batendo com a cabeça nas paredes ou vingando-se em coisas ainda mais patéticas.  Há quem se vire para Deus para encontrar a paz, outros para o desporto e para uma alimentação saudável e há ainda uns que se afastam da cidade, procurando um refúgio no cu do mundo, de preferência bem longe da civilização, do barulho e das correrias diárias. Arranjam uma horta e plantam couves compulsivamente ou outra merda qualquer. Há aqueles, cheios de força de vontade, que dum dia para o outro largam todos os vícios, o que é de louvar. 

Será que são mais equilibrados? Deve haver alguns... Mas no meio deles, também há os que viram fanáticos e obsessivos, olhando de lado para os não aderentes às suas novas convicções, como se fossem todos uma cambada de anormais. 

Eu e os meus ataques temos em comum uma longa história mas nada de muito grave. Mesmo assim estarei a caminho de Fátima no próximo sábado. 

Eu e os meus ataques temos em comum uma longa história mas nada de muito grave. Mesmo assim estarei a caminho de Fátima no próximo sábado. 

Ai oh mãe páre de ser chata, vá lá!

 

 

Quem não gosta de ser mãe que ponha o dedo no ar. Ah bem me parecia... Não vejo ai ninguém que se acuse ou que tenha a ousadia de dizer, assim preto no branco, que foi o maior erro da sua vida. Pois é minhas lindas, todas gostamos.  Mas há que admitir que não é tarefa fácil. Ser mãe não é só parir e andar, deixando que os filhos cresçam sozinhos e se desenrasquem.  Ser mãe tem muito que se lhe diga.

No meu caso, reconheço que é uma profissão que vicia e me deixa cheia de adrenalina. É tão exigente quanto maravilhosa e cansativa, ao ponto de se ficar “ad eternum” com os nervos em franja, os pés em leque e dores por tudo o que é lado. Os meninos caem e a gente contrai-se, ficando para sempre com contraturas graves, problemas de coluna e mais aquela ciática(zinha) de se cair para a banda a ganir e a chorar. 

Se ser intuitiva chegasse para levar com os créditos todos da melhor mãe do mundo, estava-se bem. O problema é que atrás da intuição vem também a dúvida, o medo, a hesitação. Vêm tantas vezes os problemas de consciência e o terror de ter falhado, que se acaba por ficar meio estúpida a fazer tudo ao contrário.

Eu cá perguntei-me vezes sem conta se sempre estive atenta ou se por acaso deixei escapar algum detalhe importante, num momento de distração da minha parte.  Fazer tudo ao mesmo tempo e querer ser o mais justa e o mais perfeita possível é mesmo impossível, o que ainda irrita mais. Depois vem o sentimento de culpa, uma culpa de tudo e de nada que em nada se justifica. É ou não é verdade?   Aposto que todas sentem o mesmo, que já passaram noites em branco por causa dessa condição de ser mãe e das merdas todas que temos que aturar. Mas é bom. É mesmo muito bom ser-se mãe mesmo que os filhos nos deem dores de cabeça permanentes. 

O maior erro de todos é aquele que quase todas as mães cometem: não deixar que os filhos sofram, estar sistematicamente em cima dos acontecimentos e querer saber sempre tudo o que se passa. Custa mesmo chegar à conclusão que o sofrimento é inevitável, quer queiramos, quer não. Temos que meter nas nossas cabecinhas tontas que sofrer é natural. Então e nós não passámos todas por isso? Valha-nos Deus e todos os Santos, Anjos e Arcanjos, há que acordar malta! Deixemos os putos em paz... 

O sentimento de culpa vem em simultâneo com o nervoso miudinho constante, ser-se obrigada a camuflar as fraquezas atrás duma fortaleza inexistente, fingindo ser uma super mulher igual ou melhor do que as que existem nos filmes de ficção, aplaudidas e louvadas pelos filhos. 

Não dá para perceber que se é muito chata, apesar de se ouvir repetidamente da boca dos próprios filhos que se é isso mesmo: uma chata. Então mas quem é que os educa? E se eles não fossem tão teimosos, nós não teríamos que ser chatas. Mais uma verdade, é ou não? 

Pois é somos chatas e então? Então não há nada a fazer senão reconhecer que é mais uma das muitas tarefas que é preciso gramar. Não nos preocupemos tanto com isso ou então corremos o risco de termos uma paralisia facial ou um ataque de nervos que convém acalmar. Relaxem filhas, um dia destes os putos ainda nos vão agradecer de termos sido tudo, incluindo chatas como a potassa. 

Só tu

 

 

Deus olhou lá de cima para os teus pais, gente boa essa que já não se faz, e deve ter achado que a melhor maneira de os ajudar, era fazer com que te fizessem a ti. Pôs-te a responsabilidade toda em cima teus ombros, sabendo que irias ser capaz de carregar esse peso até ao final dos teus dias. Para ser justo, o que é mesmo o seu género, deu-te uma inteligência e uma perspicácia fora do normal. Além do mais, deu-te um espírito cheio de graça, com muita graça mesmo e um carácter sem qualquer espécie de falta do mesmo. Pensou numa criança que pudesse crescer depressa sem ter tempo de ser criança e que não se importasse de se privar do tempo de poder brincar. Escolheu as melhores aptidões, criando na sua cabeça um perfil adequado à chefia por excelência e à bondade do melhor que há. Aquela bondade que já não se encontra facilmente nos dias que correm, pelo menos que eu saiba. Os homens tornaram-se tão ambiciosos que já não agradecem nada de nada, esperando em vez disso que lhes agradeçam a eles qualquer coisinha que façam.  Não foi o teu caso. Enquanto trabalhavas,  agradecias. Agradeceste todos os dias tudo o que tiveste, começando pela mulher com quem casaste, os filhos que foram nascendo e depois os netos. Não deve ter sido fácil todo esse processo. O desenrolar dos acontecimentos, as novidades, os pedidos constantes de ajuda que chegavam de toda a parte. Todos os dias essa responsabilidade em cima dos teus ombros... Meu Deus só tu para aguentares! Não sei doutro homem como tu. Não conheço ninguém que tenha tido o que tiveste, sem nunca duvidar se era assim que devia ser, ou espaço para fraquejar. 

 

 

 

 

 

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Tentando abreviar a história duma menina

 

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Morava lá bem no centro da terra numa aldeia tão pequenina, que nem constava no mapa. Ela nem sabia explicar onde era a aldeia que a tinha acolhido como sua filha, mas admirava aquela gente boa e altruísta que lhe tinha ensinado tudo o que sabia, facultando-lhe a força e a coragem que a tornara atrevida.

Nunca tinha visto o mar senão numa fotografia numa capa de revista, encontrada na margem do riacho onde se abastecia. Não  podia ser por acaso, já que o acaso não constava da sua aprendizagem. Só podia ser como ela, um sinal vindo do céu, donde ela tinha surgido num dia de tempestade, dizia-se que largada por um pássaro ali no meio do mato. 

A aldeia já não a satisfazia, apesar do amor que ali existia.  Precisava de saber como era aquele lugar da capa de revista, que tinha caído do céu como ela tinha, quem sabe para descobrir donde vinha. 

Na calada da noite pegou na trouxa com o pouco que tinha, decidida a encontrar a sua origem. Alguma coisa lhe dizia que não poderia morrer sem antes satisfazer a sua curiosidade, tão grande quanto o mar da capa de revista.

O caminho era longo e difícil. Percorreu montes e vales, avistou paisagens que não conhecia,  alimentando-se do que a natureza lhe oferecia. Frutos e raízes que arrancava da terra que tão bem compreendia, bebendo água de sítios por onde passava e da chuva que caía do céu, quando caía.

À noite, com o corpo magro e os pés calejados procurava um abrigo onde pudesse descansar, para logo cedo despertar e retomar a sua busca em direcção à terra prometida. 

A sua sabedoria provinha não só do contacto íntimo com a terra, como da leitura que fazia do sol e da lua, daquelas luzinhas que brilhavam lá no alto quando a noite chegava, da sua capacidade em sobreviver num lugar nos confins do mundo e da sua intuição fidedigna. 

Brava era aquela menina destemida, pronta para encontrar a estrada do destino, viajar o tempo que fosse preciso, para tocar o mar da capa de revista.

Um dia sentiu o cheiro da maresia, um vento que trazia um barulho denso que fazia trepidar a terra que pisava.

Afogueada apressou o passo e encontrou o mar, deixando-se cair diante do seu manto verde-prata. De joelhos sobre a areia o seu corpo magro estremeceu e dos seus olhos espantados escorreram lágrimas, tão salgadas quanto a espuma que saía daquela boca incrível. As ondas vinham, explodiam e recuavam e o processo repetia-se. A menina deslumbrada sentiu como era ter alma, sem duvidar que ali era a sua origem. A capa da revista tinha deixado de ser apenas uma fotografia, tornando-se numa sensação tão palpável quanto irresistível. 

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