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Digo eu

Digo eu

Tentando abreviar a história duma menina

 

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Morava lá bem no centro da terra numa aldeia tão pequenina, que nem constava no mapa. Ela nem sabia explicar onde era a aldeia que a tinha acolhido como sua filha, mas admirava aquela gente boa e altruísta que lhe tinha ensinado tudo o que sabia, facultando-lhe a força e a coragem que a tornara atrevida.

Nunca tinha visto o mar senão numa fotografia numa capa de revista, encontrada na margem do riacho onde se abastecia. Não  podia ser por acaso, já que o acaso não constava da sua aprendizagem. Só podia ser como ela, um sinal vindo do céu, donde ela tinha surgido num dia de tempestade, dizia-se que largada por um pássaro ali no meio do mato. 

A aldeia já não a satisfazia, apesar do amor que ali existia.  Precisava de saber como era aquele lugar da capa de revista, que tinha caído do céu como ela tinha, quem sabe para descobrir donde vinha. 

Na calada da noite pegou na trouxa com o pouco que tinha, decidida a encontrar a sua origem. Alguma coisa lhe dizia que não poderia morrer sem antes satisfazer a sua curiosidade, tão grande quanto o mar da capa de revista.

O caminho era longo e difícil. Percorreu montes e vales, avistou paisagens que não conhecia,  alimentando-se do que a natureza lhe oferecia. Frutos e raízes que arrancava da terra que tão bem compreendia, bebendo água de sítios por onde passava e da chuva que caía do céu, quando caía.

À noite, com o corpo magro e os pés calejados procurava um abrigo onde pudesse descansar, para logo cedo despertar e retomar a sua busca em direcção à terra prometida. 

A sua sabedoria provinha não só do contacto íntimo com a terra, como da leitura que fazia do sol e da lua, daquelas luzinhas que brilhavam lá no alto quando a noite chegava, da sua capacidade em sobreviver num lugar nos confins do mundo e da sua intuição fidedigna. 

Brava era aquela menina destemida, pronta para encontrar a estrada do destino, viajar o tempo que fosse preciso, para tocar o mar da capa de revista.

Um dia sentiu o cheiro da maresia, um vento que trazia um barulho denso que fazia trepidar a terra que pisava.

Afogueada apressou o passo e encontrou o mar, deixando-se cair diante do seu manto verde-prata. De joelhos sobre a areia o seu corpo magro estremeceu e dos seus olhos espantados escorreram lágrimas, tão salgadas quanto a espuma que saía daquela boca incrível. As ondas vinham, explodiam e recuavam e o processo repetia-se. A menina deslumbrada sentiu como era ter alma, sem duvidar que ali era a sua origem. A capa da revista tinha deixado de ser apenas uma fotografia, tornando-se numa sensação tão palpável quanto irresistível.