Benditas férias, maldita tralha! Não podia faltar nada para que nada faltasse... Maria franzina levava o seu tempo a fazer as malas para ir para o Algarve, ordenando a roupa de cada um por tamanhos e géneros. A roupa interior e os sapatos/sandálias eram colocados em bolsas à parte, umas de algodão bordado, outras de pano simples. Biberons e brinquedos, bóias e baldes, chapéus e toalhas de praia. Fraldas! Berço e alcofa para o mais pequenino, almofadas, lençóis de cama e de banho, colchas e xailes. Casaquinhos de malha.. Pensava na brisa marítima que podia muito bem fazer baixar a temperatura nocturna e além do mais, havia que contar com a nortada, com o pingo no nariz, com as tosses, as febres, os choros e mais uma série de trapalhadas.
Costumavam ir para casa dos sogros em Lagos. Todos gostavam de praia, da casa e do casal, os avós paternos dos filhos de Maria franzina e João universitário. Ele um bonacheirão, professor de português e francês, coleccionava pássaros. Era uma paixão que tinha - canários que enlouqueciam a mulher sua esposa com o constante chinfrim que faziam, noite e dia a cantarolar. Ela era danada e tinha muita graça. Maria franzina chorava a rir com o que lhe saia pela boca fora, sempre tão a propósito, cheia de perspicácia e um sentido de humor fora do comum. Todos gostavam de Maria franzina e faziam-na sentir-se muito estimada, pelo valor que davam às suas qualidades e à relação sólida entre ela e o filho primogénito, a quem estavam eternamente gratos por todas as ajudas que tão generosamente lhes prestava.
O local das férias ia mudando à medida em que a família aumentava e a sua figura, sempre de esperanças, fazia parte do cenário. De Lagos passaram para São Martinho, de São Martinho para a Praia das Maçãs até aterrarem em Cascais.
Entretanto, o nono filho andava sempre agarrado às suas saias e ela deixava. Já lá ia a noite terrível de Outono em que Maria franzina julgava que o seu menino lhe ia morrer nos braços, mas a lembrança, essa tinha ficado para sempre gravada na sua memória. Essa e outras, que durante o dia não tinha tempo de se debruçar sobre elas, mas que na calada da noite se instalavam na sua cama. Enquanto os outros dormiam tranquilos, Maria franzina apenas deitava a cabeça na almofada.
Tinha que pensar em tudo e tomar decisões em relação à vida de toda a gente. Os colégios, as explicações, os trabalhos de casa. Cadernos e livros, lápis e borrachas. As notas e as dificuldades nas matérias, as relações entre filhos e professores, amigos e companhias menos saudáveis. Destinar o que se comia à mesa dos crescidos e à dos mais pequeninos, saber distinguir entre o que era imprescindível e o que era supérfluo, ter sempre em conta os centímetros e os quilos que cada um ganhava, e os que não ganhavam nada disso, precisavam de ser vistos pelo médico. Consultas no pediatra, no dentista e no raio que o parta. Boletins de vacinas sempre em dia, cortes de cabelo e renovação de sapatos. Bilhetes de identidade.
Havia costureiras que subiam e desciam bainhas, roupa que era reciclada, passando dos mais velhos para os mais novos. Por mais que ela poupasse, os gastos eram imensos e nunca mais acabavam.
Tantos filhos e ela ainda tão nova, sempre bonita, simples e bem arranjada, apesar da carga pesada. Além de ter sempre mais um bebé a caminho, as outras crianças também precisavam de atenção e cuidado. Por mais que esticasse os braços para responder às exigências individuais, começava a ser cada vez mais difícil notar-se o amor que sentia por cada um, cada um à sua maneira.
Em Dezembro de 1961 deu à luz pela última vez. Aos 41 anos tinha 17 filhos, alguns dos quais já casados e a casa sempre lotada.
Não tinha esquecido nada do passado. A separação dos pais, os tempos do colégio e do conservatório. A casa dos avós onde conheceu João universitário, as conversas deliciosas com o irmão mais novo e os passeios à chuva com a língua de fora. Os romances que lia, os quadros que pintava e as sinfonias que tocava no piano sem cauda. A primeira vez que foi mãe e todas as outras. A sua juventude conturbada e o agradecimento constante a Deus pela forma como encarou a vida que lhe foi dada. Maria franzina tinha uma liberdade de espírito sempre actualizada. Era uma mulher elegante e inteligente que muitos invejavam.