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Digo eu

Digo eu

Quem me havia de dizer

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Quem me havia de dizer no passado, quando eu era pequena e brincava de mãe das minhas bonecas, cuidando delas como se fossem bebés de verdade, que um dia eu iria ser mãe à séria com tantas responsabilidades?

Dar mimo só não basta. É preciso ter todo o cuidado e todo o cuidado é pouco, desde que nascem.

Alimentar só não basta. É preciso ter atenção ao que se come, ver se presta e se é saudável para ter a certeza daquilo que se lhes passa tem todos os nutrientes necessários,  para que o crescimento se proceda de forma benéfica.

Dar banho só não basta. A higiene tem que ser feita regularmente, trocar de fralda, limpar a pele e cobri-la com creme que não cause nenhum estrago. A roupa essa tem que ser limpa, sempre limpa e muito confortável, nem muito quente nem muito fresca e sempre feita a partir dos melhores materiais existentes no mercado. Algodão do mais puro que existe, nada que pique, nada que possa causar a mínima irritação da pele tão extraordinariamente suave. As mãos e os pés requerem uma atenção permanente. Nada de cotão enrolado naquelas mãos pequeninas, nada de unhas compridas, nada de temperaturas baixas naqueles pés que apetece beijar. 

Febres e doenças, tosses e vómitos, fezes que não querem sair ou que são muito moles, respirações que apitam, choros e birras, dentes que rompem ao nascer do sol e noites em branco aos magotes. 

O primeiro sorriso. A gargalhada que vem e nos desmancha na hora. Gatinhar a 300 à hora com as mãos direitinhas às fichas, aos fios dos candeeiros e a tudo o que apanham para meter na boca. Vigilância é sempre pouca, mesmo quando não se faz mais nada. O corpo cede enquanto o deles cresce e engorda com tanta papa gostosa. 

Os primeiros passos, cuidado! Os cantos das mesas onde batem,  as gavetas abertas que lhes caem na cabeça, os talheres na mesa que pegam para brincar e o perigo de os espetar num olho. 

Os raios de sol, o chapéu na cabeça, o creme protector. A areia na boca e nos olhos, as ondas do mar e as poças, a hora de guinchar com fome, com sono e porque teimam e estão cansados, porque querem e não querem e já é hora de ir para casa com o arsenal todo às costas.

A escola, os trabalhos de casa, as notas. Os amigos, os inimigos e a bulhas. 

E eles crescem e dão ainda mais trabalho. Requerem mais atenção e cuidado. Choram, gritam, contestam. Põe-nos à prova e testam a nossa paciência e as nossas capacidades.  Repetimo-nos para os tentar educar e eles provocam-nos, desobedecem e fazem disparates. Apanham bezanas de caixão à cova, andam de moto e de carro a altas horas de madrugada. Eles não dormem e não nos deixam dormir, mesmo estando exaustas. 

Seguem-se as paixões, os delírios e os desgostos. O faz de conta e a realidade. O que tentamos adivinhar porque eles não falam e o que dizem de nós com quem não deviam falar.  As intrigas, o boatos. As chatices e a água na fervura. A universidade. Os estudos, as saídas e as entradas vão sendo raras. Dormem noutra casa qualquer e um belo dia anunciam que cresceram e que provavelmente não voltam mais. 

O orgulho é imenso por tudo o que alcançam, as razões são imensas e reais e as preocupações nunca acabam.