Atrás da porta (vive um adolescente que sofre)
Vivias atrás duma porta trancada a sete chaves. Sabias vagamente da minha existência sem consciência de que eu era a tal que tantas vezes se apagava para te deixar brilhar. Se naquela altura tivesses aberto a porta para me deixar entrar, ficarias surpreendida com tudo o que tinha para te dar, já para não mencionar a rapidez com que eu saltava ao mínimo estalar de dedos da tua parte.
Ficava de fora da tua vida sentimental, tentando adivinhar quais eram os problemas que te atormentavam, sempre na esperança de ver uma brecha por onde pudesse entrar.
Batesse eu levemente ou com mais convicção, tinha do outro lado ora o silêncio, ora uns grunhidos selvagens de quem não quer ser incomodada, muito menos ser chamada à atenção.
Eu não queria ficar à margem do teu mundo que já tinha sido o meu. Procurei ir bem fundo para compreender o sistema e achar a solução para as tuas tristezas, safar-te de trapalhadas para que pudesses dormir tranquila, sem nenhum sobressalto.
Um belo dia acordei e não gostei do que vi. Tinhas traçado uma linha para manter a distância, seguindo um caminho que não se cruzava com o meu para me manteres na ignorância. Se tu sofrias, eu sofria o dobro. Passava por ti e num gesto de desespero, encolhia os ombros fingindo não me importar e para tu não saberes que me sentia a definhar, atulhada em soluços que não podia mostrar.
Eu sempre soube que do crescimento faziam parte esses sinais de arrogância e maus tratos. Sempre soube que crescer é uma brutalidade. Para quem cresce e para quem vê crescer. São as inevitáveis afirmações de personalidade. Há tantos choques provocados por sentimentos que não se conseguem conciliar, que mais parece um campo de batalha cheio de ódio e agressividade que só o tempo consegue dispersar.
Passada essa fase sinistra de raios e coriscos, fomos reconstruindo o nosso mundo devagarinho. A cada pedra que colocamos, enterramos o passado. Voltei a saber o que pensas, mesmo quando escolhes não falar.