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Digo eu

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A entrega da Maria (franzina)

 

 

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Contra todas as recomendações do médico que assistia Maria franzina, ela e João universitário apostaram no destino e numa fé inabalável, confiando no instinto e na vontade de pôr no mundo os filhos que Deus quisesse. O amor entre os dois não poderia traduzir-se apenas num desejo carnal, mas tinha que ter um sentido muito mais profundo, baseado na convicção absoluta das suas crenças católicas. 

Havia sempre lugar para mais um bebé vestido de branco nos braços de Maria franzina,  a única cor que escolhia para os recém nascidos, puramente convencida que era mais uma dádiva divina. Não era fácil dar à luz em casa, mesmo sendo esse o procedimento normal para a época. Os partos foram todos eles dolorosos, desde o primeiro até ao último. Os sinais, esses já ela conhecia tão bem como a palma das suas mãos, moldadas de esperança e fé, confiando que cada um dos filhos seria perfeito e teria tudo para vingar  na vida. 

Dentro do seu corpo franzino e exausto, instalou-se ainda assim uma determinação de ferro que a fazia ultrapassar  os sintomas de mazelas que se iam manifestando. Crises renais e enxaquecas, traduzidas por dores de trepar pelas paredes eram algumas delas. Nada disso suprimia a sua fertilidade, nem tão pouco o desejo de se desfazer das vidas que cresciam dentro dela. Nem sequer se punha essa hipótese. Tanto para Maria franzina como para João universitário, a fé chegava para envolver todos os que iam chegando para aumentar a família. 

O seu nono filho nasceu num dia de outono. Lá fora, as árvores vestiam-se de cores de terra e fogo e havia no ar o cheiro de castanhas assadas. Maria Franzina deu à luz mais um filho, desta feita com deficiências respiratórias graves, o que poderia leva-lo à morte por asfixia. O tratamento proposto pelo médico para salvar o recém nascido, tão débil e assustado, era mais doloroso e cruel do que a deficiência respiratória em si. Era preciso ser persistente e possuir uma coragem desmedida para picar de cima a baixo o pequeno corpo recém nascido, aplicando-lhe ventosas por todo o lado que poderiam permitir a absorção duma membrana que o fazia assemelhar-se a um peixe fora d’água. A aflição era indescritível! 

Cada vez que Maria franzina chegava perto do berço para lhe aplicar o tratamento, havia pânico nos olhos do pequenino e a súplica insistente por paz e sossego. Era tudo o que ele pedia. Os dias e as noite eram longos, agonizantes e tristes.  Pela primeira vez Maria franzina teve medo da morte, enquanto o seu corpo era abalado por suores frios, tentando manter a serenidade. 

O seu instinto materno, mais apurado do que nunca, não podia consentir sujeitar o seu bebé a uma tortura medieval, ainda por cima, tendo em conta a sua ineficácia e a impotência desesperante diante dos resultados. Tinha que pôr um ponto final ao sofrimento do seu recém nascido, decidindo que seria com amor que iria partir em paz. Numa noite em pleno Outono, tirou-o do berço com todo o cuidado, embrulhou-o numa manta quentinha e ficou até de madrugada a embala-lo nos seus braços, fazendo questão que sentisse como eram calmos os batimentos do seu coração apertado.