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Digo eu

Digo eu

Partilha do mesmo pão

 

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Toda a vida vivemos juntos e partilhámos o mesmo pão. Temos o mesmo amor pela família, fomos educados com o mesmo rigor e foram-nos ensinados os mesmos princípios. Somos livres de espírito e acreditamos naquilo que queremos sem nenhuma imposição. Cada um tem a sua cruz e sente à sua maneira o que carrega. Todos temos consciência do bem e do mal. Eles cruzam-se no nosso dia a dia e atravessam-se à nossa frente para que nos seja possível escolher. Somos tentados tantas vezes a adoptar o caminho mais fácil, o que menos nos incomoda, fechando os olhos aos apertos alheios que estão mesmo ao nosso lado. Todos temos os nossos bloqueios, as nossas hesitações  e até mesmo crises de toda a espécie. Mais do que os factores que vêm de fora, é o nosso íntimo que batalha contra si próprio, pairando entre as certezas e as dúvidas que são ilimitadas. 

Para mim a escolha não é assim tão difícil. Em primeiro lugar está sempre a família. E no meu entender, a família não se resume apenas aos que têm o mesmo sangue, o mesmo nome e os mesmos traços físicos e mentais. São também os têm o mesmo espírito, a mesma sensibilidade, a mesma benevolência. São todos aqueles que partilham comigo a mesma dor e a mesma alegria diante dos factos. São obviamente pessoas próximas com quem me identifico e que se identificam comigo pela maneira de agir, estando presentes na hora certa ou retirando-se quando vem a propósito. 

Quanto às crenças religiosas, elas não não se discutem. Há quem não acredite em nada e seja ainda assim uma pessoa mais religiosa do que aqueles que acreditam mas nem sempre se comportam da melhor forma. Com esses consigo também partilhar o mesmo pão, sentar à mesma mesa e sentir a mesma necessidade de entender o próximo.

Senhora

 

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Senhora ensina-me a rezar! Quero atender ao teu pedido mas não sei como faço para sentir as palavras murmuradas. Fecho os olhos e medito na esperança de notar o teu espírito sobre o meu e a tua mão sobre mim, desculpando os meus pecados. Diz-me então que fé é essa que tenho, que medo é esse que tenho de me perder porque não sinto nada ao rezar. Será que sinto e não sei?  Será que já te alcancei?  Admiro a tua entrega e a ti entrego a minha alma, pedindo-te que me faças acreditar nas palavras que murmuro, para que eu sinta no coração o resultado. Quero pedir por todos e agradecer por me teres ensinado.

Os mais novos de Maria (franzina)

 

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Há um ditado que diz “os últimos são os primeiros”. Pegando nesta expressão e no seu vasto significado, os filhos mais novos de Maria franzina e João universitário foram os que mais desfrutaram do convívio directo com os pais. Depois do encerramento impreterível do Teatro principal, o casal abriu nova casa para que os filhos mais novos se pudessem expressar. Nesse sentido, e apesar das circunstâncias controversas, foram os últimos, ou os mais novos que resistiram à mudança radical de vida e se adaptaram aos novos costumes numa nova capital, merecendo passarem para primeiro lugar na preocupação e atenção paternal.  

Maria franzina estava também ela em plena mudança hormonal. Sentia-se em baixo por todas as voltas que a vida dava, embora continuasse a agradecer o simples facto de estar ali. Havia certamente situações piores do que a dela, com outro tipo de carências e outras perdas. Ela, pelo menos, tinha ali consigo os filhos mais novos e a garantia de os poder proteger. 

O trabalho era árduo e, como sempre, Maria franzina não tinhas mãos a medir. Passou a ter mais responsabilidades do que as que já tinha, incluindo cozinhar para toda a família. Para tal, teve que travar novos conhecimentos, deslocar-se numa cidade onde nunca tinha vivido e aprender a desenrascar-se numa nova língua. Até o clima lhe era estranho assim como o calor que subia por ela acima, apesar do frio. Andava irritada, triste e cansada e só Deus sabia como ela andava. 

Sentia o peso do mundo nos seus ombros e um desconsolo que não era capaz de verbalizar. Por seu lado, João universitário encontrava-se também ele numa situação inédita. Ele que sempre tinha trabalhado arduamente para sustentar toda a família, estava agora reformado sem saber como ocupar o tempo. A leitura de todos os jornais e as notícias que assistia pela televisão eram muito pouco para quem já tinha trabalhado uma vida inteira, desempenhando altos cargos e dando tudo para merecer o seu lugar.

Maria franzina tinha a perfeita noção de todas as injustiças, do sofrimento de João universitário e do transtorno que lhes causava todas aquelas vicissitudes irreversíveis. 

Os dados estavam lançados para ultrapassar mais um grande desafio.

Graças à sua fé e coragem, graças à sua força interior e a uma persistência imortal, nunca se deixou cair. Aprendeu a dar ainda mais de si, convivendo de forma mais íntima com os seus filhos mais novos que muito a faziam rir. 

Preparar a viagem

 

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Não vale a pena querer pôr a carroça à frente dos bois ou tentar dar um passo mais longo que as pernas. Na opinião da Marta, a vida é como uma música que se deve ir desfrutando à medida que vai ouvindo, ou seja não convém andar sempre a correr. Na corrida a gente ainda tropeça ou passa pelos bons momentos sem os viver, ou sem se aperceber que devagar se vai ao longe.

Aqui só há uma dificuldade no cumprimento desta dica que me deu a Marta:  tenho esta mania de nunca adiar os problemas ou os pedidos. Se há alguma coisa para resolver, eu preciso de achar a solução o mais rápido possível. Se alguém me faz um pedido, eu atendo a esse pedido sem esperar pelo dia seguinte. Se devo alguma coisa a alguém, não descanso enquanto não saldo a divida. Se não posso comprar o que me apetece, não compro e fica resolvido. 

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Nesta viagem que vou agora fazer para visitar as minhas filhas, preciso de me organizar  com alguma antecedência e não joga com o meu feitio deixar tudo para a última da hora. Por isso, em cima da cama da Joana, vou pondo o que é preciso. A Mónica já me emprestou um OLIQLO, um casaco super fino e quentinho que se veste por baixo de outros casacos quando está muito frio. A Marta vai-me facultar outro casaco chiquíssimo que comprou na Turquia que vou usar por cima do UNIQLO. Fica assim solucionado o incomodo do frio. 

Tenho já alguns dos presentes para enfiar na mala assim como outras coisas que as minhas filhas me pediram, tais como remédios, toalhas de banho e água de colónia. 

Num envelope vou juntando o dinheirinho que ganho com a venda dos artigos que faço para ofertas de Natal, para depois aproveitar os tais momentos que vou gozar na companhia das minhas filhas. 

Cabeleireiro, depilação e dentista tudo combinado a horas certas antes de ir. Voo de ida e volta e hotel marcado e alguns dos programas que iremos curtir. 

Falta-me decidir que mala vou levar e a roupa que vou vestir. 

Meninas e vocês sabem que estou mesmo a precisar de partir! É ou não é normal estar excitada e ir arrumando tudo em cima da cama da Joana?  Não me quero esquecer de nada e não vejo a hora de as abraçar para vibrar com cada segundo, afastando-me dos problemas que cá ficam.  

Obrigada meus amores por me estarem comigo neste momento de preparação para o que se vai seguir. Não há nada melhor do que a família e vocês são 2 dos meus bichinhos!

As incertezas de Maria (franzina)

 

 

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Nunca se está preparado para as voltas que a vida dá. O futuro é sempre uma incógnita. A casa de Maria franzina e João universitário era um palco sempre animado. Estavam vários sempre em cena e a porta da entrada dava sinal... Surgiam uns, retiravam-se outros, ouviam-se passos e vozes, risos e diálogos entre os presentes das cenas banais do quotidiano,  que de banais não tinham nada. Embora houvesse uma rotina e regras que eram para cumprir, os personagens contribuíam para que houvesse sempre alguma curiosidade que se punha em marcha para fazer parte do cenário. 

Os filhos iam casando mas a casa continuava vibrante, com uma dinâmica extraordinária. Era ali que todos se reuniam todas as semanas, trazendo consigo os novos membros da família que se multiplicavam a um ritmo espantoso. Mesmo quando os casados saiam de cena para voltar às cenas deles, a casa continuava a rebentar pelas costuras. Entre os da casa e os que se instalavam como se a casa fosse deles (porque o ambiente era propício), não havia mãos a medir. Mais uma vez, Maria franzina tinha uma capacidade invulgar de fazer funcionar aquela peça, com deixas nem sempre evidentes e imprevistos a cada segundo. 

Os anos foram passando e outros factos foram brotando à laia de praga, mudando tudo. A família foi-se dispersando e o palco foi ficando vazio. Os acontecimentos sucediam-se, obrigando Maria franzina e João universitário a adaptarem-se conforme podiam. Tomavam-se decisões e cumpriam-se normas imprevisíveis.

Enquanto lá fora a multidão gritava, Maria franzina fazia as malas e desmanchava o seu doce palco, colocando-o dentro de caixotes com uma enorme dor no coração. A vida jamais seria igual e a família, que continuava a multiplicar-se, jamais seria a mesma. Uns partiam desconsolados, outros ficavam apreensivos. Quanto ao futuro era cada vez mais uma incógnita.

Universo

 

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Lá fora a chuva pinga e está um frio danado. Engraçado como o tempo passa e a terra gira mais depressa do que eu gostava. Na verdade a velocidade é a mesma desde sempre e o ritmo é igual. A mim é que me parece que é tudo mais rápido, que a velocidade do tempo acelerou e reparo como já  percorri mais de metade da minha vida.  Na minha cabeça ainda ontem o calor era insuportável e eu quase que suplicava que o ar arrefecesse, que o sol me desse tréguas e se escondesse levemente atrás das nuvens.  A terra gira, as folhas caem e a temperatura desce.  É este o processo natural e espantoso do universo. Tudo o que acontece tem uma razão de ser. E neste processo espantoso não temos nada a dizer. A escolha não é minha nem de ninguém. É a terra que gira à volta do sol no meio dum universo imenso de estrelas, planetas e cometas, luas e outras coisas que eu não sei mas que estão lá para uma função específica que eu nunca aprofundei. Existem tantas maravilhas que desconheço e outras tantas que já vivi. Espero ainda aprender o bastante durante o tempo que me resta, seja o tempo que for. 

a minha mãe era calada

 

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A minha mãe tratava a sua mãe por “minha mãe” de forma tão carinhosa. Eu que sempre adorei a minha mãe, tratava-a apenas por mãe, mesmo achando que era a mãe mais fabulosa. Quando pensava nela, era a minha mãezinha querida e continuo a pensar. Nunca lho disse mas ela sabia, assim como sabe agora, olhando do céu para mim a toda a hora. 

A minha mãe não se assemelhava em nada à mãe dela, nem fisicamente, muito menos na forma de estar. Não era por serem de gerações diferentes. Eu que sou duma geração diferente da minha mãe, tenho uma forma de estar parecida com a dela, quando se trata de expor a minha intimidade. Eu não exponho a minha, ela não expunha a sua de forma alguma, por se tratar dum tema reservado unicamente à sua pessoalidade.

A mãe da minha mãe atraía para si as atenções e a minha mãe fugia delas. A mãe da minha mãe era egocêntrica e vaidosa e a minha era discreta e generosa, embora merecesse ser notada de tão distinta que era de corpo e alma. Longe de mim comparar-me a ela nesse aspecto de ser notável. Apenas sinto que tenho a mesma necessidade de ser reservada. Da intimidade não se fala. 

 

Maria frazina - passado e presente

 

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Não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti. Aquela frase martelava-lhe a cabeça com uma força brutal, fazendo eco por todas as partes do seu corpo.  Maria franzina não era de dar a outra face mas sabia que devia perdoar. Apesar da sua infância invulgarmente estranha com provas de descuido em relação ao que sofria,  apesar de ter comido o pão que o diabo amassou pela personalidade egoísta da sua mãe, não guardava rancor muito menos vontade de se vingar.  Tinha com ela uma relação de respeito e, a partir de uma certa altura, até mesmo de proximidade. 

Talvez com o passar dos anos Sofia se tenha tornado menos comodista e auto-centrada, aproximando-se da filha, de João universitário e dos netos, sendo mesmo capaz de mostrar o carinho que sentia pelos seus descendentes directos. Recebia-os com simpatia na sua casa de Albarraque, da mesma forma como era recebida na casa de Maria franzina, onde não se notavam sinais de constrangimento. A generosidade de João universitário facilitava o convívio e nos olhos de Sofia notava-se um certo apreço. Quanto a Maria franzina esforçava-se para virar a página do capítulo mais aflito da sua existência. 

Já a família de João universitário, tanto pais como irmãos,  mantinham com Maria franzina uma ligação de apego sincero. Ela nunca se cansava das  suas presenças, daqueles sorrisos afáveis, das histórias de episódios tão bem observados, nem das vozes que as contavam com um sentido de humor anedótico. Sentia que tinha passado a fazer parte daquela bendita aliança, onde todos se defendiam com unhas e dentes, qualquer que fosse a circunstância.  Se para eles João universitário era o “ai Jesus”, Maria franzina era a única mulher digna de lhe pertencer. Diga-se de passagem que o facto de ter nascido no mesmo dia e no mesmo ano de António (irmão querido de João universitário) também abonava a seu favor. 

Ali estava agora a sua vida animada de parentes, com uma discrepância descomunal em relação ao passado. Maria franzina não se tinha esquecido dos ensinamentos do colégio. Não se tinha esquecido de ter sido forçada a disfarçar os seus sentimentos. Tinha uma maneira própria de pensar e compreender todos os que faziam parte da sua existência, mas nem sempre se conseguia exprimir duma forma clara e evidente, de forma a que os outros a soubessem compreender. Continuava a ser  uma solitária no meio duma multidão de gente.

A partida dum primo

 

 

 

 

Não há nada de bonito na morte, mesmo quando ela vem por um ponto final no sofrimento moral e físico. E no entanto não há como fugir desse caminho, sentindo os que cá ficam que é uma tragédia esse desfecho decisivo. Até os homens de grande fé que acreditam na transição da alma para um local de paz eterna, choram a morte do ente querido. A figura física que deixamos de poder tocar porque apenas se transforma, causa-nos uma dor e um transtorno preciso. Dizem os entendidos que o tempo tudo repara. Mas o tempo apenas transforma a dor em saudade, uma saudade que dura até ao dia em que somos nós que partimos. Vamos vivendo assim, um dia atrás do outro nessa viagem que nos conduz a todos ao mesmo sítio. Acredito que um dia estaremos todos juntos, sem dor moral ou física para gozarmos da plenitude eterna, tendo todos seguido rumos diferents que culminam no mesmo caminho.

Nostalgia de Maria (franzina)

 

 

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Sentada na sua mesa redonda com uma braseira por baixo, ouvia apenas o som do vento que batia na janela da sua salinha. Todo o mundo dormia e ela estava ali finalmente no meio da noite, entregue a si própria. 

Tinha diante de si a vida inteira escrita na sua agenda em cabedal de capa preta. Não havia nenhum outro objecto mais precioso do que a sua agenda, onde registava tudo o que não queria esquecer, começando pelas datas, horas, pesos e medidas de cada um dos filhos ao nascer. O tipo de sangue, a cor dos olhos e do cabelo, assim como outros detalhes referentes à saúde, pequenos apontamentos e sinais que lhe importava nunca esquecer.

Naquela mesma agenda, Maria franzina tinha os contactos de todos os que conhecia -  desde a família aos amigos, assim como os amigos dos filhos e dos respectivos pais, dos professores, dos padres, dos fornecedores, das lojas onde se abastecia e de todo o tipo de pessoal relacionado com as mais diversas profissões. A lista telefónica de A a Z encontrava-se naquela sua agenda de argolas, toda uma vida repleta de observações impressas pela sua própria mão. Notas nas margens que só ela entendia e num lugar específico daquela sua agenda guardava bilhetinhos com frases dos seus filhos que lia repetidamente, deixando-se enternecer. O calor da braseira aquecia-lhe o corpo enquanto olhava para a sua agenda de capa preta, sem vontade nenhuma de lhe mexer. Estava exausta!  Aquela fadiga dava-lhe uma preguiça atípica e um desejo incontrolável de se estender no chão. 

Empurrando a cadeira para trás com a força dos pés, abriu a janela e poisou os joelhos no chão para se deitar na tijoleira que lhe fazia lembrar a frescura da relva em Albarraque.  Estava indecisa entre chorar ou rir, imaginando a figura que estava a fazer e o espanto de João universitário se a visse naquele momento. 

Não quis saber. Tirou os sapatos, desapertou o vestido e estendeu-se assim mesmo, semi nua, enquanto fumava o seu cigarro e se deliciava com o ar fresco que entrava pela janela.   Precisava do seu irmão mais novo, de lhe confessar mil segredos e de ouvir as suas respostas comoventes. Tinha umas saudades loucas dele, das conversas únicas entre os dois, onde se podiam expôr sem qualquer inconveniente. Não havia mais ninguém no mundo como ele, uma parte inerente de si mesma que tinha sentido na infância o mesmo tipo de défice de afecto por parte dos pais. Quando deu por si estava a soluçar pelas saudades e todas aquelas razões que só o irmão mais novo poderia  compreender. 

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