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Digo eu

Digo eu

a minha mãe era calada

 

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A minha mãe tratava a sua mãe por “minha mãe” de forma tão carinhosa. Eu que sempre adorei a minha mãe, tratava-a apenas por mãe, mesmo achando que era a mãe mais fabulosa. Quando pensava nela, era a minha mãezinha querida e continuo a pensar. Nunca lho disse mas ela sabia, assim como sabe agora, olhando do céu para mim a toda a hora. 

A minha mãe não se assemelhava em nada à mãe dela, nem fisicamente, muito menos na forma de estar. Não era por serem de gerações diferentes. Eu que sou duma geração diferente da minha mãe, tenho uma forma de estar parecida com a dela, quando se trata de expor a minha intimidade. Eu não exponho a minha, ela não expunha a sua de forma alguma, por se tratar dum tema reservado unicamente à sua pessoalidade.

A mãe da minha mãe atraía para si as atenções e a minha mãe fugia delas. A mãe da minha mãe era egocêntrica e vaidosa e a minha era discreta e generosa, embora merecesse ser notada de tão distinta que era de corpo e alma. Longe de mim comparar-me a ela nesse aspecto de ser notável. Apenas sinto que tenho a mesma necessidade de ser reservada. Da intimidade não se fala. 

 

Maria frazina - passado e presente

 

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Não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti. Aquela frase martelava-lhe a cabeça com uma força brutal, fazendo eco por todas as partes do seu corpo.  Maria franzina não era de dar a outra face mas sabia que devia perdoar. Apesar da sua infância invulgarmente estranha com provas de descuido em relação ao que sofria,  apesar de ter comido o pão que o diabo amassou pela personalidade egoísta da sua mãe, não guardava rancor muito menos vontade de se vingar.  Tinha com ela uma relação de respeito e, a partir de uma certa altura, até mesmo de proximidade. 

Talvez com o passar dos anos Sofia se tenha tornado menos comodista e auto-centrada, aproximando-se da filha, de João universitário e dos netos, sendo mesmo capaz de mostrar o carinho que sentia pelos seus descendentes directos. Recebia-os com simpatia na sua casa de Albarraque, da mesma forma como era recebida na casa de Maria franzina, onde não se notavam sinais de constrangimento. A generosidade de João universitário facilitava o convívio e nos olhos de Sofia notava-se um certo apreço. Quanto a Maria franzina esforçava-se para virar a página do capítulo mais aflito da sua existência. 

Já a família de João universitário, tanto pais como irmãos,  mantinham com Maria franzina uma ligação de apego sincero. Ela nunca se cansava das  suas presenças, daqueles sorrisos afáveis, das histórias de episódios tão bem observados, nem das vozes que as contavam com um sentido de humor anedótico. Sentia que tinha passado a fazer parte daquela bendita aliança, onde todos se defendiam com unhas e dentes, qualquer que fosse a circunstância.  Se para eles João universitário era o “ai Jesus”, Maria franzina era a única mulher digna de lhe pertencer. Diga-se de passagem que o facto de ter nascido no mesmo dia e no mesmo ano de António (irmão querido de João universitário) também abonava a seu favor. 

Ali estava agora a sua vida animada de parentes, com uma discrepância descomunal em relação ao passado. Maria franzina não se tinha esquecido dos ensinamentos do colégio. Não se tinha esquecido de ter sido forçada a disfarçar os seus sentimentos. Tinha uma maneira própria de pensar e compreender todos os que faziam parte da sua existência, mas nem sempre se conseguia exprimir duma forma clara e evidente, de forma a que os outros a soubessem compreender. Continuava a ser  uma solitária no meio duma multidão de gente.