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Digo eu

Digo eu

As prioridades de Maria (franzina)

 

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Pela força do hábito desde pequenina, Maria franzina escondia no coração as suas fraquezas. Ninguém se apercebia da vontade que tantas vezes lhe dava de se desmanchar, chorando para aliviar a carga acumulada desde tão tenra idade. Parecia a mulher mais forte e mais calma à face da terra, capaz de resistir a todo e qualquer tipo     de mazela, fosse de ordem física ou sentimental. 

Mãe dum rebanho infindável, continuava bonita e elegante, sem vestígios físicos de cansaço, tristeza, insatisfação ou ansiedade. Na sua pele nunca havia maquilhagem nem sinais dos anos que passavam. Parecia irmã das filhas mais velhas, mesmo já sendo avó de netos da mesma idade dos filhos mais novos. 

O tamanho da casa era proporcional ao da família, arranjada ao gosto de Maria franzina, perdendo tempo com pequenos pormenores que faziam toda a diferença, como jarras de flores espalhadas pelas salas ou lenha para acender as lareiras.

Não havia excessos mas o conforto e a funcionalidade eram essenciais. Nada faltava naquela casa. Desde os melhores ingredientes para alimentar a família, produtos de limpeza e higiene, material escolar, roupa e sapatos bem cuidados, brinquedos para todas as idades, baralhos de cartas, caixas de costura mais bem apetrechadas que uma retrosaria da baixa lisboeta,  ferramentas de todo o tipo e uma verdadeira farmácia meticulosamente arrumada num armário fechado a sete chaves. Todo o cuidado era pouco com tanta criança a fazer asneiras.  

Maria franzina era perita na reciclagem, muito antes de se sonhar com a preservação do meio ambiente. Quando recebia um presente, por exemplo, abria-o com todo o cuidado para poder reutilizar o papel e a fita do embrulho. O mesmo acontecia com caixas de bombons e sapatos,  bocados de tecido e plásticos de todo o tipo. 

O que quer que alguém precisasse, Maria franzina sabia exactamente onde ir buscar, satisfazendo as necessidades de toda a gente. As suas prioridades eram essas. As mais íntimas já nem sabia.

Quimera

 

 

 

 

Não precisava de saber exactamente onde iria, desde que fossem elas a levar-me. Qualquer lugar no mundo podia ser um oásis feito a partir da nossa união e cumplicidade. Lutaríamos lado a lado contra qualquer adversidade, arranjaríamos maneira de nos completarmos, dando tudo para que cada uma sentisse que era ali que devíamos estar. Se alguma de nós por alguma razão vacilasse, as outras estariam prontas para ajudar a superar as dúvidas, o medo, as saudades. Tentaríamos aproveitar a ocasião para conversar, relembrar momentos inesquecíveis e planear cuidadosamente uma ida ao planeta Marte. Era lá que plantaríamos uma horta, regada pelo orvalho que se se formaria no nosso telhado, caindo pingo a pingo em cima da nossa terra inventada, donde nos alimentávamos. Juntas contaríamos as estrelas e tocaríamos um solidó com instrumentos imaginados. Lembraríamos a terra, o nosso planeta azul, onde regressaríamos um dia, depois duma bela aventura no espaço. Voltaríamos para ser mais felizes ainda, onde o tempo não tinha passado. Esta é a história duma quimera que sonhei acordada, se o apocalipse chegasse.

As aventuras que Maria (franzina) enterrou na gaveta

 

 

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Feitas as contas, Maria franzina não teve tempo de saber se poderia ter escolhido outra opção de vida diferente daquela que tinha. Quem sabe se não se teria tornado numa famosa pianista, correndo atrás do mundo artístico,  para que as suas mãos expressassem a música, entregando-se tão espantosamente como se entregou à sua sina.

Poderia ter sido um milhão de coisas, caso não tivesse sido arrancada da fase da descoberta para logo se deparar com tantos  compromissos que lhe caiam em cima. Certamente, teria acolhido essa vida com um pouco mais de maturidade, se tivesse vivido algumas aventuras próprias de uma adolescência que ficou assim amputada, repleta de sonhos enterrados no fundo duma gaveta qualquer. 

A vida que passou a ter, estava longe de se parecer com todas as que tinha devorado debaixo dos seus lençóis bordados, ou à sombra das maceeiras à beira do riacho. 

A partir do momento em que casou, nunca mais teve um segundo para se debruçar sobre as escolhas que não fez, já que a sua dedicação estava inteiramente focada para a realidade da casa, dos filhos e do marido. 

Tinha uma boa vida, uma boa casa e a preocupação constante de dar conta do recado da melhor maneira que sabia, desdobrando-se para tomar atenção a tudo o que dizia respeito à sua família. Maria franzina era perfeita nos mais pequenos detalhes, excepto conseguir que os seus filhos entendessem que não era através de beijos que dava o seu amor. 

Não sei como fazia para ainda tempo de tratar da sopa dos pobres, de dar assistência a doentes e visitar velhinhos abandonados pelas próprias famílias. 

Estipulava regras e horários para as 24 horas do dia. À noite, enquanto os outros dormiam, Maria franzina sentava-se para pensar nas 24 horas horas do dia seguinte: destinar almoço e jantar, forrar livros e cadernos na altura propícia, cozer meias e fazer contas à vida, enquanto fumava o seu belo cigarro. Não desistia de nada, nem mesmo de completar puzzles praticamente impossíveis, ou por-se bonita para acompanhar João universitário nos seus compromissos. 

Era com o grupo de amigos que melhor conseguia expressar a sua alegria, a sua inteligência e algumas fantasias. O sufoco do dia a dia e a permanente correria, chegar a todos os de casa consoante o que esperavam ou queriam,  dificilmente o permitiam.

O momento em que visto o pijama

 

 

 

 

Não te preocupes com o futuro, nem mesmo com o mais próximo. Não temos garantias de coisíssima nenhuma, por mais planos que se tracem, por mais que se pense que o dia da nossa felicidade está para chegar. Olha, faz como eu que deliro com o momento em que visto o meu pijama e me sento sem fazer nada, sem pensar em nada, fumando apenas o meu cigarro.  Nem imaginas o prazer que me dá essa mera insignificância, capaz de transformar o meu pior dia num princípio de noite tão agradável. O que acontece depois, é indiferente. Venha o que vier, eu já estou de pijama, muito confortável, sem pensar em nada.   

Quando nos enchemos de confianças e expectativas, é quando imaginamos a luz ao fundo do túnel,  esperando que a sorte nos bata à porta. Há certamente uma surpresa. Ficamos de coração apertado e fazemos figas, rezando para que seja uma doce surpresa, essa luz que no meio do processo se apaga. Ficamos à nora, sem luz sem nada, procurando entender as razões da sina que nos calha. 

O que nos resta é aproveitar o tempo que sobra, vivê-lo cada segundo como uma dádiva, sem a tentação, mais uma vez, de pensarmos se o futuro vai jogar a favor ou contra nós. 

Não penses no futuro. Veste o pijama e não penses em nada.

Too much

 

 

 

 

Que confusão, que correria... Nem há tempo de assimilar as notícias! Ontem estava de queixo caído com as presidenciais norte americanas, hoje veio a notícia da morte dum grande compositor e a lembrança (mesmo que eu não queira) das grandes músicas que nos deixou. Não choro a ouvir o Hallelluja, arrepiada, comovida e fico nervosa com as lágrimas que não saem por nada.  Ao mesmo tempo há o confronto com outras coisas que me dizem respeito e me dão cá uma gana! Que impotência face aos comunicados e às suspeitas. Doenças sem cura que encurtam a vida, resistências face à viagem ao Reino Desunido e lá fico eu na dúvida se vale ou não a pena chatear-me. Não quero mas fico na mesma desnorteada. 

Havia castanhas no Jardim dos Passarinhos e eu não sabia. Fui ao Biscoito comer um bitoque cheio de batatas fritas para sair da rotina da sopa, do pão com queijo e do dia inteiro a montar presépios.  Na hora certa bazámos, fugindo a sete pés da gritaria. Odeio gente que grita , enquanto come de boca aberta e diz “com licença”. Ai o povo que eu amo e odeio em simultâneo! Snobeira ou impaciência desmedida?  Indignação e neurastenia que me faz cair de joelhos no chão, enquanto escrevo e oiço o novo álbum dos Queen com músicas nunca antes ouvidas e outras remexidas. Que neura de merda, que maravilha a música.

Cabeça de abóbora no poder...

 

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A minha primeira reacção foi de perplexidade. Como assim o Trump ganhou as eleições presidenciais? Só podem estar a gozar ou então estou dentro dum pesadelo que acabou de começar. Meu Deus, o mundo está virado do avesso e eu já não acredito em  nada. 

No que diz respeito à política, faz tempo que estou decepcionada. Já não faço caso das promessas nem das ameaças. 

Então e o ser humano? Bem, o ser humano é aquilo que a gente sabe: vive revoltado! Uns porque são maltratados, outros porque são desconfiados e sentem-se ameaçados cada vez que viram a esquina. Cada pessoa com quem se cruzam é um potencial terrorista, um invasor do seu espaço e da sua liberdade. São ladrões e intrusos que deviam ser escorraçados, queimados vivos e enterrados numa vala comum. 

Grande parte dos homens é racista e antrofóbico. Vive numa obsessão doentia pelo que acha que perde com os direitos humanos que não podem ser aplicados a qualquer um. Para esses, a justiça é erradicar do planeta todos os que, no seu perfeito juízo, não têm direito de usufruir dos mesmos privilégios. O que me espanta ainda, é que essa gente estranhíssima acredita em Deus e bate no peito para defender a Pátria. 

Voltando ao Trump, aquela cabeça de abóbora mal parida, pode ser que não faça nada daquilo que prometeu/ameaçou, conseguindo assim (quer queiramos, quer não) ganhar os votos de todos os estúpidos que habitam o país das grandes oportunidades. Não se esqueçam que os políticos usam uma estratégia mas nunca cumprem nada daquilo que prometem. Para bem da Humanidade, talvez estejamos safos! 

Dom da escrita

 

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 Sou uma ignorante no meio de tantos outros. Comparo-me a um grão de areia ou se calhar nem tanto quanto isso. Esta percepção que tenho, vale-me o reconhecimento da minha insignificância enquanto ser vivo no meio de gente tão mais preciosa do que eu. Sou uma pessoa importante na vida de alguns e afinal é isso que conta para mim. Não gostava de ser famosa por razão nenhuma do mundo. Basta-me a fama que tenho junto daqueles que gosto, porque são esses que conhecem o meu valor enquanto ser humano, independentemente de todos os erros que vou cometendo. Errar faz parte da aprendizagem de toda uma vida. Sem eles seria impossível progredir e então talvez eu fosse burra ou mais ignorante ainda. Enquanto uns me conhecem, outros vão-me conhecendo, dando-se ao trabalho de ver para além do que os olhos alcançam. São generosos todos os que se aproximam de mim, todos os que gostam de ler o que escrevo, apercebendo-se que me assemelho com eles de alguma forma, sobretudo na forma de estar na vida e de expressar o que sinto. Mas quando acho que consegui atingir um certo nível, deparo-me com um daqueles textos “obra-prima” e realizo, mais uma vez, que preciso de me reduzir à minha insignificância. Há pessoas tão talentosas que me fazem tremer pela destreza com que expõem as palavras, pelo genialidade do estilo e pela profundidade do conteúdo. Fico arrepiada e agradecida por conhecer talentos assim! Uns sabem escrever umas coisas, outros têm o dom da escrita e assim se distinguem e se destacam no meio de ignorantes como eu. És uma estrela Ana Rita, minha querida sobrinha! Todos deviam ler o que escreves dessa tua maneira tão bonita.

 

 

 

Almoço de irmãos

 

 

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Fazia tempo que não nos sentávamos todos à mesma mesa. Parece impossível mas acontece que acontece. Acontecem muitas coisas em simultâneo a cada um e o tempo não ajuda. O tempo passa a correr e não chegamos a ter tempo de chegar a todos os que precisam, porque todos precisam.

A minha irmã mais velha já fez os seus 80, o que parece impossível. Ainda há pouco tempo era uma mulher cheia de energia, uma energia que ia e vinha juntamente com dissabores e a volta que dava por cima. 

Finalmente houve um pretexto e a coincidência de estarmos todos disponíveis para um almoço em casa do Zé que fez ontem anos e estava decidido em juntar a família. Quando falo de  família, refiro-me aos 17 irmãos, que hão-de ser sempre 17, independentemente dos acontecimentos naturais da vida que inclui a morte física.  Os problemas são muitos e nem sempre existe uma solução concreta e indiscutível. As doenças e as fraquezas vão surgindo, umas próprias da idade, outras por fatalidade, outras pela complexidade de feitios, bloqueios, impasses e apertos, esforços que não se cumprem por cansaço, dormência ou preguiça.

Se por um lado somos uma família forte, por outro há uma fragilidade instalada de energias confusas e perdidas e uma solidão incompreensível. Há um todo e um vazio, uma multidão e uma carência afectiva. 

Há sem sombra de dúvida o sentimento da grande falta dos nossos pais, a base sólida do espírito de união da família. Ficamos destruturados sem esses pilares nas nossas vidas,  o que se reflete e se manifesta em cada um à sua maneira e medida. 

Hoje sentimo-nos em casa como nos bons velhos tempos. Todos nos deixamos envolver pelo ambiente amoroso e cheio e graça, aproveitando o melhor possível a alegria daquele momento para esquecer o ram-ram do dia a dia.

É bom podermos estar juntos. É sempre muito bom sentir a presença de cada um, ver a cara de cada um, ouvir a voz de cada um, abraçar cada um. Ouvir novas histórias ou as mesmas de sempre, rirmo-nos em conjunto pelas mesmas razões e estarmos ali simplesmente na companhia uns dos outros. Ali somos o que somos sem ter nada a temer. 

Conversas sérias de Marta Gautier

 

 

 

Ontem fui ao teatro. Levada pelos cabelos, arrastada e praticamente em braços, mas fui. As minhas queridas amigas que se preocupam comigo obrigaram-me (vacas)! Ofereceram-me o bilhete e vieram-me buscar. Lá fomos nós com a Mónica a guiar pelas ruas de cascais num carro eléctrico mirabolante que vai dos 0 aos 100 em 8 segundos (ou lá o que é) e ainda por cima não faz barulho. Enfim, uma peça única que pertence ao António Bernardo, cujas qualidades estou farta de mencionar. 

O teatro... Assistimos a um monólogo muito interessante de Marta Gautier, CONVERSAS SÉRIAS que me fizeram rir e pensar. O vazio que temos cá dentro e os altos e baixos da vida. Os problemas que se dividem entre os nossos e os dos outros. Como aprender a não interferir nos problemas dos outros para que não passem a ser os nossos e como não impingir os nossos problemas aos outros.  Os caminhos que se percorrem para encontrar o tesouro que temos dentro de nós, se é que alguma vez lá vamos chegar.  O medo que devemos superar. A importância que tem saber dizer não, quando é não que queremos dizer, sem magoar. 

Aquelas conversas sérias no palco, expondo fraquezas a estranhos entre gestos naturais, gerou uma certa proximidade. Enquanto ela falava, dei por mim a rir e a pensar como somos parecidas ela eu eu. As minhas amigas iam-se rindo também e concordavam. 

Coisas engraçadas como deixar a carteira no chão em todo o lado, dizer não com toda a franqueza à proposta de um programa, quando não estou para lá virada. O prazer de estar com pouca e boa gente, para que se proporcionem momentos verdadeiros de intimidade e até o gozo de fazer limpezas em casa. Parecia que era eu que estava em palco a falar sobre a minha vida e os meus altos e baixos, se bem que a tarimba não se compara. 

De olhos fechados e ao som duma música calma, Marta Gautier concluiu o espectáculo, conduzindo-nos numa meditação para afastar o medo, deixando o corpo sentir e relaxar.

Quero agradecer às minhas amigas por terem insistido em proporcionar-me esta noite tão bem passada.

beijos

 

 

 

Entre duas bocas há um beijo que paira no ar, ardendo entre o ânsia e o medo de machucar. Em criança o beijo sara. Nos crescidos o beijo mata. Mata a sede, a fome e o cansaço entre dois corpos que se entrelaçam. Vem amor ou vem desgraça. Venha o que vier, fica depois a lembrança e talvez a saudade. Tempo para pensar logo mais, se é desejo de fugir ou pressa de voltar para mais beijos e mais abraços, recolhendo entre si pensamentos de promessas ao luar. O segredo está no beijo e o prazer é da carne. Há quem saiba beijar e há quem falhe. Quem não segreda desejos de carícias e abraços, mesmo que seja entre linhas num poema de amor, detém-se perdido no embaraço dos beijos que ficam por dar.

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