Viajantes do comboio sem rumo
Os acontecimentos sucedem-se em cadeia e num crescendo horripilante. Fazem lembrar um comboio atulhado de gente com outros que se montam à pendura, sem ninguém saber onde vai. A cada dia que passa, há mais gente no comboio que não conhece o destino. Os viajantes do comboio querem-se livrar das peripécias que este ano lhes trouxe, gritando pela janela pedidos de socorro (quem nos acode?), entrando em desatino.
Entre os mortos e feridos das carruagens há outros tantos. Os corpos tensos de almas amarguradas assemelham-se a embalagens de sardinhas enlatadas das mais rascas do mercado. Ninguém as quer ver nem pintadas, nem sentir-lhes o gosto da pobreza e do fracasso. Andam sem rumo dentro das carruagens, na esperança de encontrar um poiso sereno para descansar, sem conhecer a sina que lhes há-de calhar. A crença essa vai-se esgotando mesmo entre os mais esperançados.
Cá fora o mundo não pára e raramente olha o comboio. Os passageiros que fogem das guerras, são vistos como leprosos e há quem acredite que se deve ignora-los ou condena-los à morte.
Entretanto o homem fala de amor e compreensão. Caga sentenças sobre a paz no mundo e prepara-se para celebrar o Natal sem verdadeiras convicções de coisa alguma. Adquire novas fatiotas para comemorar o ano novo, compra o espumante da praxe, sem grandes intenções de mudar uma vírgula da sua frieza perante os viajantes sem rumo.