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Digo eu

Digo eu

Não durma. Pense

 

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Enquanto trabalhava com uma imaginação quase doentia, tentava lembrar-se como tinha sido  quando era feliz. Precisava que esse estado de espírito se reflectisse nas peças que concebia, tentando dar tudo para que fossem perfeitas. 

Passava a maior parte do tempo entregue a si própria, sem grande vontade de sair. Lá fora chovia, deixando o terreno coberto de lama barrenta e escorregadia e os cães das redondezas não paravam de uivar. Queria ouvir música para fugir ao nervoso miudinho daquela barulheira infernal, mas tinha preguiça de mexer na aparelhagem e escolher um disco qualquer dentro dos muitos que havia.

A solidão estava a tornar-se irritante, mesmo quando se via rodeada de gente. As conversas não lhe despertavam interesse nenhum e dentro da sua cabeça soavam  como se estivesse a ouvi-las atrás da porta. Pergunta-se vezes sem conta que reviravolta era essa tão esquisita, já que não era costume incomodar-se de estar sozinha e quando estava acompanhada, fazia rir toda a gente. Era perita em dúvidas existenciais e não desistia de superar as suas limitações.  Era por isso que tanto pensava para poder avaliar o grau dos dilemas em cascata, nunca lhe passando pela cabeça recorrer a estupfacientes que a fariam perder o controle. 

A simplicidade da sua vida estava a ficar incómoda e a rotina era um sacrifício. Parecia ela que estava no purgatório para se purificar dos pecados, culpas de faltas que desconhecia. 

Sentia-se cansada. Não tinha a certeza se estava cansada de estar sozinha ou se o facto de não se sentir feliz a fazia ficar cansada. A casa dava muito trabalho apesar de estar vazia. Vazia de gente mas cheia de objectos, livros, molduras e caixinhas, conchas e pedras da praia, colecções das mais variadas espécies.

Tinha vontade de se desfazer de tudo e recomeçar do zero. Imaginava uma outra casa, que até podia ser a mesma, com espaços livres para colocar uma oliveira. Essa era a sua árvore predilecta, de raízes profundas que, no seu íntimo, equivaliam à misericórdia divina e à força de uma vida plena. Suspirou à ideia daquela imagem e o seu espírito tornou-se mais pacífico. 

Não estava nos seus planos deixar de sonhar nem mesmo de procurar respostas para as suas questões.