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Digo eu

Digo eu

O dia de hoje

 

 

 

 

Não sei como vamos encarar o dia de hoje. Se já acordámos na disposição de passar mais 24 horas mergulhados na nossa rotina, sem reparar nos sinais que poderiam dar-nos alguma alegria, ou se estamos decididos a soltar a corda para agradecer por estarmos vivos. Será o dia de hoje é encarado como um nova oportunidade, ou como um dia a menos para a contagem final? 

Não sei que vontade é a nossa ou se a fomos perdendo sem darmos por isso, se nos tornamos seres tão racionais e materialistas, deixando de dar atenção à parte emocional ligada ao espírito. 

Andamos todos muito derrotistas sem grandes perspectivas. Tudo nos assusta e nos doí tanto a nível físico como mental, deixando-nos arrastar pelas notícias perturbadoras e alarmistas. Não há dúvida de que o mundo está em crise e os loucos estão no poder, curiosamente eleitos de forma democrática. É estranho pensar como há gente que apoia ideias sinistras tão diferentes das nossas, como podem ainda existir extremistas com a maior cara de pau que tomam medidas drásticas que não fazem justiça. 

Por aqui é o que a gente sabe. Já só contam os números e as pessoas que se lixem. Despendem-se homens e mulheres de família, dando o lugar a escravos licenciados que não ganham um tostão furado, explorando-os até à última. 

Não sei como vamos encarar o dia de hoje nem o dia de amanhã. Há motivos para agradecer mas quase ninguém os vê. O pessimismo alastra-se que nem uma praga e ficamos assim contaminados pela tristeza, pela frustração, pela angustia. O que há de bom passa despercebido no meio da morte lenta à qual nos entregámos. 

Temos que nos importar mais uns com os outros, dar mais atenção uns aos outros e sobretudo ouvir o coração, para que seja possível redescobrir os verdadeiros valores e sentir o que há de bom no dia a dia, mesmo dentro da própria rotina. 

 

Não se é sábio por muito falar...

 

 

 

 

Apresentam-se diante das mais variadas conversas, duas hipóteses à minha escolha: falar ou ficar calada, opinar sobre o assunto caso esteja inteirada, ou simplesmente reduzir-me à minha insignificância se não souber o que digo.

Há palavras por dizer entaladas na minha garganta, ao ponto de me faltar o ar quando me irrito.  Fico calada quando decido não perturbar, ou no caso concreto de preferir não dar troco a quem não merece, ou a quem não me pretende ouvir, fazendo pouco caso daquilo que digo.  Solta-se de mim um suspiro, ora arrogante, ora  comedido, sem que eu o consiga deter, aliviando alguma da minha tensão que se esfuma no ar enquanto eu respiro. 

Não acredito na liberdade de expressão que tanto se apregoa como um bem adquirido. Não me é permitido dizer tudo o que quero, à hora em que o discurso faria sentido e às vezes obrigam-se a falar como se eu tivesse algum compromisso. 

Se ao menos quando eu falasse houvesse um efeito positivo, não seria preciso repetir-me, dando às minhas palavras um efeito massacrante e nocivo. Quem me ouve, nem sempre presta atenção ou interpreta mal o que digo, gerando-se uma discussão ou um mal-entendido. 

Fecho os olhos ou fumo um cigarro para pensar se falo e como o vou fazer, se direi o que é preciso, ou se é melhor escolher o silêncio como forma de comunicar, deixando aos demais intervenientes a opção que melhor lhes encaixar, esperando eu que o argumento seja conciso.

À minha irmã Helena

 

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Chegou um anjo e sentou-se aos pés da sua cama, sem se pavonear. Veio de mãos a abanar, sem água benta, sem óleo, sem vela, ou qualquer outro prenúncio de vida ou de morte.  Olhou para ela ali deitada e indefesa, admirou os seus cabelos brancos, as suas mãos enrugadas e o seu corpo magro com sinais de uma vida conturbada. A sua missão é acalma-la e trazer-lhe a paz interior, sem lhe pedir nada em troca, nem mesmo um breve olhar.  Está ali para lhe dar o tempo necessário para que ela própria decida o que quer, mantendo-se sereno e delicado, respeitando com todo o carinho a sua vontade. Não pretende perturba-la ou causar-lhe nenhuma espécie de constrangimento, nesta hora em que precisa de descansar. 

À sua frente estão todos os trajectos daquela vida, as quedas e os progressos, as alegrias e as tristezas, as razões e as incertezas que não devem ser qualificadas entre o bem e o mal. A sua tarefa restringe-se apenas a passar-lhe serenidade de que tanto precisa para passar à outra fase.  

Ali está ela deitada, frágil e insegura em relação a essa nova experiência tão profunda,  aos sintomas que lhe enfraquecem o coração, abrindo-lhe o acesso ao inexplorado.

Talvez tenha medo. Sempre teve esse medo da incerteza sobre a eternidade. Não está ainda preparada para abrir mão do lado de cá. Das memórias e da família. De toda essa bagagem que comporta momentos de grande sofrimento, para os quais nunca houve remédio possível. 

Vêm-lhe à cabeça um número infinito de recordações, mesmo as que nem sabia que tinha. A paixão e o desamor, os pais, os irmãos, o marido, os filhos. Os netos e bisnetos, os amigos de toda a vida. As casas e as cor das paredes, a praia e a calma do Alentejo. As viagens, as peripécias e a fortuna que jamais conheceu. A caminhada sistemática entre a fé que procurou e o desalento que às vezes teve como contra-partida.  Uma existência inteira junto aos extremos, ora no topo e rindo-se dela própria, ora afundada no mais aflitivo dos abatimentos. Lembra-se de todos os que ama, um a um e da importância que tiveram ao longo da sua vida. Cada um é especial à sua maneira assim como ela o é para cada um de nós. 

Pode-se gabar da sua graça, da sua sorte e das suas experiências, já que todas elas são únicas.

Sentado aos pés da sua cama, o anjo sorri, deslumbrado por esta vida complexa e tão cheia de sabedoria. 

 

Depois do 50

 

 

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Não foi aos 30 nem aos 40 que notei uma mudança substancial na minha maneira de encarar a vida. Foi já próximo dos 50. Fica-se com outro olhar mais benevolente, outra paciência mais refinada, ao mesmo tempo que se deixa de ver o supérfluo como um bem necessário. É evidente que a base da educação que recebi tem um peso fundamental nas decisões que agora tomo e nas outras que antes tomei, ou até mesmo como deixei de julgar o próximo, pegando em critérios ou preconceitos que agora deixaram de fazer qualquer sentido. Olhando para trás, nem sei como às vezes me deixei influenciar por  parâmetros tão ridículos.

Hoje não faço questão de me aproximar de gente que nada tem a ver comigo, nem de me incluir à força toda em programas de grupos descomunais que só me fazem ficar tonta. 

Cada vez mais preciso de tranquilidade, excepto quando estou em família, onde a tranquilidade nunca foi nem será o nosso forte. Tudo se permite nessas reuniões familiares. E quando digo tudo, é mesmo tudo: gritaria, palavrões, gargalhadas, discussões de faca e alguidar que acabam sempre bem e histórias do arco da velha onde há um fundo de verdade, com sucessivos “encores” para nos rirmos ainda mais. 

Nunca fui muito de julgar nem de fazer intrigas e tenho uma certa aversão aos que ai assentam as suas bases. Se já não alinhava aos 30 nem aos 40, depois dos 50 cheguei à conclusão que não há nada melhor do que poder dar-me ao luxo de lhes recusar tanto a minha companhia, como um pingo da minha consideração. A bem dizer seria um desperdício de tempo, tempo esse que é fundamental aproveitar com quem merece, com quem eu gosto e gosta de mim. 

Estou muito mais consciente do valor que as pessoas têm, independentemente da raça, das crenças ou do extracto social. Cada vez mais me convenço que ter dinheiro não significa ter boa educação ou respeito pelo próximo. Dou-me com toda a gente, desde que eu sinta que são pessoas decentes e dignas do meu respeito,  mesmo que o estilo de vida seja totalmente diferente do meu. Bem-vindos são todos os que, de uma maneira ou de outra me tocam e me fazem bem. Dispenso o convívio calculista, os fretes, as modas e o que convém.

Mudar de vida

 

 

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Ser obrigada a mudar de vida pode até ser uma treta, mas há tretas bem piores. No meu caso não foi trágico porque eu não fiz da questão um problema de vida ou de morte. Optei assim por ficar em casa a tomar conta dos meus rebentos e até hoje não me arrependo. Na verdade foi uma bênção!
Fiquei sem empregada, sem o meu pocket money e mais uns trocos que ajudavam a pagar as contas lá de casa. So what? Nunca passámos fome. Não passámos de cavalo para burro pelo facto de eu ter deixado de contribuir para as despesas mensais, ou por termos reduzido alguns privilégios que não eram assim tão importantes como jantar fora.
Muito mais importante foi ter escolhido esse caminho. Muito mais gratificante do que poder comprar alguns trapinhos, foi ter visto as minhas filhas crescer, acompanha-las todos os dias, ir para o parque depois da escola.
Vê-las e brincar e brincar com elas, sorrir por causa delas. Estar presente de corpo e alma, ter tempo de sobra para as aproveitar e sentir como a minha presença era fundamental para crescerem saudáveis e sem traumas.
Quando estavam doentes, não tinha que sair a correr do emprego para ir ao médico, dar explicações a um gajo qualquer que nada tinha a ver com o assunto ou pedir comprovativos para justificar a minha ausência. Eu era o meu patrão, geria o meu tempo e era dona do meu nariz.
Ter qualidade de vida não é necessariamente ter mais dinheiro. É poder fazer o que é mais importante para uma mãe: tratar e educar os filhos, dar-lhes atenção e carinho, dedicar-lhes tempo, vê-los crescer, acompanhar todas as fases e estar disponível em todas elas. Tem-se como contrapartida a melhor sensação do mundo: ser feliz e fazer feliz quem mais se ama na vida. O resto já nem importa.

 

 

 

Planos de vida

 

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A miúda era inteligente e como todas as pessoas inteligentes tinha um raciocínio muito próprio. No que dizia respeito aos homens em geral, deixava-se enganar pelo juízo que fazia, guiando-se por alguns exemplos que conhecia e dos quais não gostava. Ainda não tinha conhecido ninguém que lhe tivesse tocado nem de leve naquele órgão do corpo purificador do sangue, mais conhecido por coração. 

Dotada de um raciocínio brutal, dizia que não estava nos seus planos apaixonar-se nem ficar dependente de ninguém. Falava da sua vida como se nela não houvesse espaço emocional que comportasse alguém do seu lado, partindo do princípio que esse alguém lhe iria roubar a sua personalidade.  

Sabia que não deveria julgar os homens pelo que eram por fora, que a verdadeira beleza estava dentro de cada um, mas não estava receptiva para entender os sinais, ainda que tivesse uma antena dirigida para os planos do futuro. Era lá que se focava, dando prioridade ao sonho de correr o mundo de mochila às costas. 

A paixão não estava nos seus planos, ou melhor, apaixonar-se. Olhava para esse verbo com algumas reticências e uma certa desconfiança. Nas suas previsões metódicas concluía que o seu caminho não tinha que passar por esse território duvidoso. Preferia aventurar-se noutras áreas, mesmo sabendo dos perigos que corria, intitulando-os de experiência de vida, autonomia, conhecimento e razão. 

A miúda era inteligente mas tinha medo de se entregar, de perder o controle, de se deixar ir e não ter como voltar. Tinha medo desse tão desconhecido campo do amor, medo de sair dela própria, medo enfim de arruinar a sua vida pela possibilidade de não ser correspondida com a mesma euforia, a mesma paixão.

O viúvo

 

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Ele ia caminhando tristonho e cabisbaixo, fazendo um esforço sobre-humano para não se deixar cair na cama e chorar até morrer. A sua companheira de sempre tinha acabado de partir e nos últimos tempos era apenas uma sombra daquilo que já tinha sido. Fechava os olhos para recordar toda uma vida em comum, os mimos que trocavam entre si, e como ela tinha sido a única mulher no mundo, apaixonada até se lhe fecharem os olhos para sempre. 

Todos lhe diziam que o calvário tinha chegado ao fim, trazendo-lhe finalmente o alívio pelo descanso eterno da sua menina, o que, até certo ponto, era forçado a aceitar que aquele sofrimento em nada fazia sentido. Por outro lado, que sentido tinha agora a vida sem ela, a sua fiel companheira, mãe dos seus queridos filhos? 

Só ele é que sabia e Deus provavelmente também, a falta que essa sua companheira de toda a vida lhe fazia e como a casa, sem a sua presença tinha ficado tão vazia. Por todo o lado havia fotografias dela, dos dois, dos filhos com ela ou com os dois, abraçados e com um ar feliz. Queria guardar para sempre aquelas imagens e não imaginava como poderia prosseguir sem o que tinha perdido - O grande amor da sua vida. 

Precisava abraça-la de novo, cheirar-lhe o cabelo e a pele, ver o cor dos seus olhos e ouvir a sua voz. Toda ela estava no seu coração e no seu pensamento e a sua presença só em espírito. O quarto estava vazio, a cama era grande demais e ele sentia-se terrivelmente só. No silêncio da noite aproveitava para rezar entre soluços desesperados de uma tristeza profunda. 

Teria que continuar o caminho que ambos tinham começado, apenas com a lembrança das mãos que entrelaçavam sempre que estavam juntos. Não havia como concretizar os planos da velhice tranquila à lareira nem os passeios em noites de  lua cheia nas matas da aldeia onde tinham crescido juntos. 

A simples ideia de ter ficado viúvo, fê-lo envelhecer 10 anos no espaço de segundos e ainda assim caminhava tristonho, cabisbaixo e sem rumo.

Fachada

 

 

 

 

 

Dirias que sou previsível e pode até ser verdade, quando de mim esperas que te ampare. Nunca deixarei de o fazer, escolhas tu o que escolheres nas mais variadas etapas. As que já foram, as que ainda são e as que estarão para vir. Se Deus quiser hei-de de te ver dar flor para que eu possa cuidar como cuidei de ti, ou quem sabe melhor. 

A tua visão de mim foi mudando em cada fase e lá no fundo o que sabes é o que transpareço ser. Dirias que sou previsível, forte e brincalhona, mas dentro do meu corpo também há certas fraquezas que escolho não mostrar. E quando o pano cai numa altura inesperada, na mais imprevisível das situações, pensas na minha atitude como a mais inadequada. 

Eu me transformo entre os mais excêntricos interesses e deleites, com algum sentido ou sentido algum, entre breves e prolongadas sensações, leves e consideráveis, sem que haja uma explicação que te pareça sensata.  

Sinto tudo demais e às vezes fico assustada por essa intensidade e mais ainda pela  variação das minhas reacções que se prendem com o estado de espírito do momento. Tanto me dá para querer abraçar quem mais gosto, como fazer-las sumir num estalar de dedos. Procuro soluções para os problemas alheios e mantenho-me apática perante os que são meus. Confio e desconfio ao mesmo tempo, viajo entre os extremos e mostro por fora o que não sinto por dentro. Gostaria de ser mais explícita mas nem sei como me descrever. 

Prevejo eu agora que saibas que amo e odeio ao mesmo tempo, que me irrita ter que explicar quando a raiva domina ou conceituar a tristeza que só a faz crescer. 

Previsíveis são os rótulos que nos dão, quando no fundo não dizem nada sobre nós. São fachadas que escondem a verdadeira identidade.

 

 

Exagerar é enfraquecer (Jean-François De La Harpe)

 

 

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Em miúda, era daquelas  que não precisava de ginástica. A minha energia dava e sobrava para subir às árvores, trepar dunas, andar de bicicleta, mergulhar o dia inteiro nas ondas e andar quilómetros a pé para todo o lado. Nunca tive moto (embora andasse à pendura) muito menos um carro até me casar, ou seja  já com 28 anos em cima. 

Houve uma altura, no decorrer desses 28 anos, que passei a ser fanática da ginástica e da dança e cheguei até a dar aulas entre Cascais e Lisboa. Dava ao litro 4 a 5 horas por dia, puxando pelo corpo quase até à exaustão.

Os meu meios de transporte eram o comboio, o autocarro e as minhas pernas que se moviam a uma velocidade estonteante. Os músculos desenvolviam-se ao mesmo tempo que crescia a adrenalina e nada me fazia parar. Nos intervalos, recorria às máquinas de musculação,  percorria distâncias consideráveis a pé, enfiava-me mar adentro com o meu body board e à noite lá ia eu, radiante da vida para a borga. Dançava a noite inteira sem me cansar, chegava de madrugada a casa para me deitar por brevíssimas horas. No dia seguinte, o mais tardar às 10 da manhã estava na praia, retomando a minha rotina desnorteada,  até ao dia... O dia em que comecei a fraquejar. 

Tinha tonturas estranhíssimas que me davam ataques de pânico no meio da rua. Atrás das tonturas vinha a falta de ar, as câimbras e a sensação de impotência total para reagir. O suor escorria-me por todo o lado, a língua ficava presa, a cabeça pesava-me. Cheguei a pensar várias vezes que ia morrer ali mesmo, sem ninguém que conhecesse ao meu lado. Tinha medo de tudo. De andar,  de comer, de sair com amigos, de falar. Perdi peso ao ponto de ficar pele e osso, perdi a frescura e a alegria, perdi por completo a noção do meu estado. 

Tive problemas de coluna graves, problemas de auto-estima e uma enorme dificuldade em encarar que tudo tinha acontecido pelo excesso, por ter ultrapassado o limite das minhas capacidades. 

Foi muito difícil sair dali. Criei aversão ao exercício, deitando o corpo em qualquer espaço sem vontade nenhuma de comunicar.  Durante anos a fio a meu corpo passou a ser miserento e o meu estado de espírito uma lástima. O medo tomou conta de mim e foi preciso recorrer aos ansiolíticos para poder voltar a uma vida minimamente aceitável. 

O excesso era o meu hábito até me terem chegado sinais que ele mesmo me empobrecia  e em nada me beneficiava. 

É difícil saber onde está o equilíbrio, o nosso equilíbrio. Foi necessário perdê-lo e perder-me de certa forma também,  para aprender a distanciar-me das soluções extremistas que equivalem a venenos que podem ser fatais.

A vida é bela (dramas à parte)

 

 

 

 

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Quando a vida nos diz que é preciso abrir mão de certas regalias que, ao fim e ao cabo acabam por ser substituídas por outras, ainda que de valor inferior (resta saber de que valores estamos a falar), não é caso para fazer dramas. Já bastam os dramas reais, aqueles que trazem uma angustia inconsolável, como tantos que nos passam todos os dias diante dos olhos, ou outros mais próximos que nos tocam directamente e contra os quais nada podemos fazer, senão pedir forças para os aguentar. 

Dramas que não são caso de vida ou de morte, que não arrastam ninguém na lama, que não separam famílias ou não põem alguém dum dia para o outro a viver debaixo da ponte, não são dramas mas sim pequenas ou médias contrariedades. 

Um contra-tempo pode tornar-se num drama pela ideia que formatamos, convertendo-se  numa tragédia aos olhos do nosso carácter. 

Dramas são doenças sem cura, mortes prematuras, povos famintos, guerras sem fim, crianças abandonadas, gente maltratada. Dramas são todas as situações aflitivas e incontornáveis para as quais não há sequer uma pequena luz ao fundo do túnel, uma réstia de esperança. 

Há quem faça da vida uma tragédia pegada, de tudo o que acontece um drama sem fim, como o simples facto de não ter dinheiro suficiente para trocar de carro, ou de telemóvel ou do raio que o parta. Bolas, acordem! Aproveitem o que têm porque a vida é bela.

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