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Digo eu

Digo eu

Nós

 

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Para quem vê de fora, há tanto que não se explica. Códigos secretos e olhares, risos e disparates que só combinam entre quem partilha a mesma mesa, o mesmo quarto e os mesmos pais. 

Conivência e intimidade são algumas das palavras que definem esse tipo de amor, onde ninguém denuncia ninguém e vale uma vida inteira de compreensão de traumas escondidos, dores disfarçadas, raiva acumulada, alegria infantil e indolência justificada. Até à distância, as mãos se conhecem e se entrelaçam. Até no silêncio, o entendimento é real. Ao fim e ao cabo, é aquele olhar de cumplicidade que nos levanta e ampara, que justifica e autentica a beleza da vida, do mundo, das pessoas. E, de alguma forma que não sei explicar, tranquiliza e satisfaz. 

Não há nada mais suavizante do que todas essas lembranças que dividimos há tanto tempo. Tudo de nós está lá nas memórias de joelhos esfolados, cigarros compartilhados, pijamas a cheirar a lavado e a voz da mãe para explicar a vida e validar o amor.

Algumas memórias

 

 

 

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Já lá vai o tempo da minha infância, oh se vai! Tenho na memória presentes alguns episódios marcantes, até de cheiros e sons que em mim se entranharam, trazendo-me lembranças de felicidade, interceptadas por alguns fantasmas. 

Partir pinhões com uma pedra e amontoa-los, enfia-los na boca e mastiga-los, sentindo o cheiro dos pinheiros bravos, era um ritual extraordinário. O vento soprava manso, deixava o cabelo desordenado, cobrindo ou descobrindo o meu ar de feições apaziguadas. Tudo cheirava a sol, tudo cheirava a mar. A pele, o cabelo e o espírito inocente que morava no meu corpo magro, gozavam dias inteiros do nosso Oceano que se estendia pela praia. 

Enquanto isso os pássaros cantavam e as formigas, sempre previdentes, abasteciam-se para a época do inverno. As férias eram soberbas e o verão era eterno, ainda que um dia o Outono invariavelmente chegasse. 

Regressava a hora  do colégio, do bibe, dos livros e dos cadernos. Despertar de madrugada e ter que sair de casa. O sono e o frio, a preguiça, a melancolia e as horas encafuada no carro. O dia passado no colégio, o bullying por parte dos mais velhos, a separação dos meus irmãos e o regresso de noite a casa, já bem cansada. Os horários que cumpria eram exigentes e nada apropriados para a minha idade. Deixei de comer, de dormir e a alegria ficava reprimida debaixo do meu ar assustado.  Na época não se pensava em psicólogos, muito menos para crianças pequenas. Era uma coisa exclusiva para malucos, não aconselhável a gente saudável, mesmo em momentos frágeis.  Mas sei que a minha mãe, então preocupada, me levou ao médico. “Esta criança está esgotada” ,  concluiu ele depois de me observar. Não registei o que se passou depois nem o tempo que fiquei em casa a recuperar.  Lembro-me sim de nunca me ter queixado de nada, porque engolia tudo o que sentia, pequenas e grandes angustias que se traduziam em crises de uma  ansiedade tramada.  Lá vinham então a arritmia e a bola histérica, dois sintomas que invariavelmente me aterrorizavam e me faziam pensar na morte prematura demais para a minha idade.

Quanto amor desperdiçado

 

 

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Andava há séculos indecisa sobre que atitude tomar face a vários assuntos, que, por motivos de força maior, ficavam eternamente adiados. 

Arregaçava as mangas ao acordar para dar prioridade às necessidades dos outros, pensando sempre que os outros eram mais importantes do que ela própria. 

Nunca saia de casa sem deixar tudo arrumado. Cama feita, loiça lavada, roupa estendida, chão aspirado e todas as almofadas sacudidas, antes de voltarem ao seu lugar. 

Tinha uma lista considerável de pessoas a quem tinha que dar atenção, fosse para as acompanhar a consultas, fazer-lhes companhia e aconselha-las, ajuda-las a sair do buraco ou escolher roupa para algum momento especial. Tudo servia de  pretexto para socorrer, colaborar e facilitar a vida dos que faziam parte da sua vida e dos que iam entrando nela, por destino ou coincidência. 

Jamais passava a bola a quem quer que fosse. Perdia grande parte do seu tempo preocupada em dar-se a quem achava que mais precisava. 

Achava ela que só assim fazia sentido andar no mundo. Tudo o que lhe dizia respeito directamente, não considerava primordial. O cantinho onde morava, sempre limpo e arrumado, servia perfeitamente para se sentir satisfeita. 

Um dia haveria de ter tempo para tratar das suas carências. O importante era dar-se. 

Dar tudo de si aos outros - Paciência, compreensão, carinho e amizade. Tempo. Desdobrava-se em 7 para chegar a todos, sempre com um sorriso na alma e uma enorme dedicação pelos demais.  

O mais inacreditável é ter sido abandonada quando foi ela que precisou de ajuda. As suas pernas deixaram um belo dia de se movimentar. A pouco e pouco foi caindo na cama sem se conseguir mexer, com dores de trepar pelas paredes. Sem uma única visita, nem sequer para a ajudar a alimentar-se, morreu na sua cama ao fim de 2 meses de um sofrimento macabro, na mais insólita das solidões, apesar de uma vida inteira dedicada a amar o próximo.

Excepções

 

 

 

 

No geral... lá está uma expressão que nos sai da boca a toda a hora e a propósito de quase tudo. Pois. Há sempre uma excepção à regra, uma que sai fora do baralho e se destaca pela positiva ou não.

Eu gosto de excepções. Fazem pensar. Pensar que nem tudo tem que ser conforme manda a lei, consoante o que está na moda ou o que é politicamente correcto. E não quero com isto dizer que sou apologista da má educação, da negligência ou da balbúrdia. Não sou a favor da carneirada, dos pontos mesmo em cima dos “is”, ou de afirmar que, haja o que houver, tem tudo que andar na linha ou temos o caldo entornado.

E na vida dá muito jeito aceitar as excepções, tão ou mais certas que as regras a que estamos habituados. Ficamos talvez mais preparados para o que der e vier, para o inesperado, para as surpresas da vida e na vida de cada um. Para o que nos acontece, o que acontece com os outros (fundamentalmente os que nos são mais ligados) e para o que se passa à nossa volta.

As excepções abrem-nos horizontes e deixam-nos menos complexados, menos críticos, mais atentos e mais receptivos. Passamos a compreender que cada um é livre de fazer as escolhas que mais se lhe adaptam, que mais os torna felizes. Só assim seremos capazes de aceitar e amar os que amamos incondicionalmente, fazendo com que se sintam mais realizados no caminho que percorrem e com quem desejam que os percorra com eles.

Uma mulher especial

 

 

 

 

 

Não é uma mulher qualquer, daquelas que se deixam arrastar pelas ruas da amargura, em virtude de partidas e azares que se cruzam com ela, sabe-se lá se por destino ou se por mero acaso. 

As suas reacções estão além das que seriam de esperar, deixando-nos surpreendidos e estupefactos pela sua coragem.  Bolas, eu não sei se aguentava embora acreditem, já passei por muita merda, muita dor, muita raiva, crises e afins, situações desesperadas. 

Não é mulher de se deixar cair de joelhos no chão, de rogar pragas ou de rezar, ainda que esteja de rastos com o mundo a desabar-lhe em cima, de tal forma que seria difícil para qualquer outra de respirar. Talvez eu fosse daquelas a quem me faltaria o ar.

Não é também daquelas que entregam o seu destino nas mãos de Deus, que se recolhem e aceitam todas as provações, esperando mais tarde ser recompensada no céu. Tantas vezes me aconteceu dizer: "seja o que Deus quiser" e lá vou eu sem pensar.

Não é uma mulher qualquer. 

É forte e decidida, sensível e tudo o mais, habituada a tomar as rédeas da sua sorte, contando com a sua intuição e apoio dos que lhe são chegados, porque foi assim que se habituou a levar a vida - Dando e recebendo na mesma medida, para que seja possível encontrar equilíbrio no seu andar. Nisso até somos parecidas, se bem que escolho muitas vezes isolar-me. 

Ligada à terra e aos prazeres do dia a dia,  gosta sobretudo de se fazer acompanhar por quem a faz sentir-se forte e segura, estando ou não estando numa daquelas fases.  

Quer respostas e explicações, saber de razões que tantas vezes não se podem explicar. E quando não encontra respostas onde quer, volta-se para outro lado para poder continuar. 

Talvez lhe custe admitir, que por trás da sua força está sempre outra força maior, aquela que a faz caminhar mesmo depois de cair do mais altos dos patamares. 

Aquela que a levanta e fortalece, mesmo quando acha que não pode suportar mais um golpe na sua vida, daqueles que deixariam qualquer outra num estado miserável. 

A verdade é que a cada golpe que sofre, volta-se a erguer pela força cósmica que lhe chega do alto, através das mais variadas manifestações de amizade, dedicação e carinho daqueles que conhece e de quem tanto gosta, mais do que explica o verbo gostar.

De cabeça erguida e um sorriso na cara,  é assim que vive essa mulher especial que me serve de exemplo quando me queixo de trivialidades.