O meu pai
Um dia olhei para o meu pai, aquele homem, um senhor que trabalhou a vida inteira para sustentar a família, e pensei: Este gajo passou-se!
Não percebi que estava doente. Profundamente doente e solitário, depois de anos sem fim a ser bombardeado de responsabilidades e de nunca ter recusado ajuda a ninguém. Era o homem mais generoso à face da terra, mas nem essa tão grande qualidade lhe valeu de muito. Nos últimos anos da sua vida, passou dum homem respeitável a apenas um ser vivo a quem ninguém ligava.
Passou daquela pessoa a quem todos recorriam, pela sua inteligência, a sua justiça e a sua bendita humanidade, para ser ignorado por todos. Poucos eram os que por ele mostravam alguma compaixão. Poucos lhe retribuíram o amor que sempre deu. Poucos o desculparam por se ter tornado num doente inconveniente e deslocado. Morreu sem ter completado 80 anos, com um derrame cerebral que o deixou na cama, sem consciência de nada. Um homem que foi um dia brilhante em todos os aspectos, um homem que deu tudo de si, morreu praticamente abandonado. Acompanhei de perto os últimos anos do meu pai. E fui-me deixando enternecer, através dos sintomas visíveis da doença, por aquele velhinho que era o meu pai. O meu pai tinha, além de tudo, um sentido de humor e uma graça invejáveis. A minha mãe era o seu anjo da guarda, a menina dos seus olhos, o grande amor da sua vida.