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Digo eu

Digo eu

terra e fogo

 

 

 

 

Confesso que me transtornaram as coisas mais ou menos ou pãozinho sem sal. 

Tudo isso me faz perder tempo e a minha biografia tem que ser escrita com paixão. 

Tudo ou nada é o meu lema. Amor e ódio, anjos e demónios que se erguem ao mesmo tempo, despoletando sentimentos contraditórios. 

Eu quero amar para sempre aqueles que sempre amei desde o primeiro dia. Desprezo os que nada me dizem ou mais ainda os que me irritam só de passarem por mim. 

Para sempre é bem verdade! Faça sol ou faça chuva, seja em que época for, eu amo e odeio da mesma forma, com a mesma intensidade e convicção os que suscitam em mim essas sensações tão opostas.  

Para sempre é eterno. Gosto tanto desse conceito como o odeio de morte. Exige de mim uma determinação que me estimula por um lado e me esgota por outro. 

Estou constantemente no fio da navalha ou à beira dum abismo, um pé na terra e outro na brasa. Isso significa que tenho que ser rápida a tomar decisões. Mas às vezes demoro, porque penso. Penso muito no quanto estou certa e errada ao mesmo tempo, como sou terra e fogo em permanente colisão.

bomba relógio

 

 

 

 

Às vezes sinto uma bomba relógio dentro do peito. Sobe uma raiva por mim acima prestes a explodir. Não condiz com a minha figura, dirias tu. É o que digo a mim própria depois dela passar. Enquanto dura é a mais pura das verdades! 

É o que exijo e não posso naquele momento ser. 

É que o que quero erguer mas fica asfixiado dentro dum buraco donde não consigo sair. Não aguento a resignação à qual sempre me sujeitei, desejando devora-la com toda a minha fome. 

O que vou escrevendo nem sempre chega para revolucionar o sistema nem para acabar com a ferida que me toca.  Perguntas-me porquê e eu nem sei bem explicar.

São coisas que vêm de trás e que continuaram pela vida fora. A minha revolta é silenciosa e talvez por isso a pior de todas. 

Revolta contra quê, perguntas tu. Não consegues perceber ou talvez não o queiras fazer. 

Talvez porque tenhas medo de tocar na tua própria ferida. Talvez porque prefiras deixá-la adormecida. Ou talvez a tenhas sabido curar com uma sabedoria que eu não tenho. 

Se for esse o caso, invejo-te e respeito-te duma só assentada.  

Há dias em que nem me lembro de nada. Outros em que tudo vem ao mesmo tempo, fazendo de mim uma pessoa de quem desejo fugir a sete pés. E no entanto fico e demoro-me. Olho para mim e volto a olhar. Por dentro e por fora. 

Estudo-me dos pés à cabeça e tento solucionar-me de alguma forma. 

Vou entendendo as razões e perdoando aos que me fizeram e fazem sentir assim. 

Perdida e sem luz, confusa que doí! 

Não quero ser triste e faço-me de forte, como se fosse o melhor método de cura para a minha sorte. 

Sabes que no meu tempo ninguém ia ao psicólogo? Era exclusivo para malucos e ninguém viu em mim a aflita que sempre fui. Tinha um medo da morte que me pelava. Ao engolir um caroço duma azeitona, achava que ia morrer sufocada. Se não  sentisse o coração bater a um ritmo tresloucado, corria até que ele disparasse e me deixasse esfalfada. 

Talvez se eu tivesse sentido a presença de alguém com quem desabafar, não teria que passar por isto. Ou passaria com outros olhos. O meu andar pela vida seria outro bem diferente. E olha que eu até me esforço! 

Não sou daquelas que não dão valor às coisas boas da vida. Dou e agradeço à estrela do meu destino. Adoro rir, adoro dançar e sou grata pela minha persistência. Pinto, escrevo e preenche-me muito do que faço.

O problema é o resto. O resto está cá e faz parte de mim, mesmo que eu não queira. 

Mesmo quando não me lembro ou quando estou feliz. 

Não tenho como rebobinar a minha vida e começar tudo de novo. E mesmo que tivesse, seria tudo igual com o mesmo baralho.

Não culpo ninguém porque o que sou está em mim. Não vem dos momentos passados nem dos presentes. Vem da forma como os encaro.  

E é bom quando tudo passa. Fico mais leve e riu-me com vontade. Vou à minha vida sem problemas e dou-me a quem mais gosto, depois de guardada a bomba o relógio. 

Eu nem sei...

 

 

 

Acreditas que já não sei o que é bom para mim, ou provavelmente nunca soube? Seria bom eu saber. Assim por inteiro. 

Toda uma vida (ou grande parte dela) fui fazendo a vontade aos outros para não desiludir ninguém. 

Pequenas coisas aqui e ali. 

Cedências umas atrás das outras, deixando de parte a minha vontade ou a falta dela.  

Não tem nada a ver com altruísmo (nalguns casos sim). 

Tem muito mais a ver com a incapacidade de dizer "não" e de abrir os olhos para pensar naquilo que me faria feliz (se é que isso existe como conceito pleno). 

Claro que houve momentos de felicidade. 

Claro que houve momentos de euforia. 

Claro que houve épocas da minha vida em que me senti realizada. 

Mas inteira, como uma obra que não acaba, tenho as minhas dúvidas. 

Não foi por ter medo de olhar para dentro. 

Não foi por achar que seria egoísmo. 

Foi mais por falta de espaço. 

Falta de voz. 

Falta de oportunidade. 

Talvez eu nem saiba explicar quando foi que isso aconteceu, ou talvez eu te possa dizer que foi desde que comecei a ter a noção de ser gente. 

Mesmo quando eu queria tomar as minhas decisões, havia sempre alguém que as tomava por mim. Mesmo quando eu gostaria que me tivessem explicado o porquê das coisas, alguém achava que não havia explicações a dar. 

Então fui crescendo assim... Não contrariando, não expondo, não questionado em voz alta. 

Em vez disso, escolhia guardar tudo até me sufocar.  Não houve sequer lugar físico e emocional para mostrar as minhas revoltas, que até hoje ficaram por demonstrar. 

A tampa raramente me saltou. E quando saltava, era na altura errada. Por razões que nada tinham a ver com a razão legítima, perdendo assim o fio à meada. 

Ninguém me reprimiu. Eu é que me reprimi a mim mesma. Eu é que não soube falar em minha defesa, talvez por cobardia de acartar com as consequências. 

Até hoje, depois de ter percorrido mais de metade do que será a minha vida, as dúvidas e a consciência delas permanecem quase as mesmas.

Peço-te que não faças o que eu sempre fiz. Diz o que tens a dizer. Fala em alto e bom som. Defende-te e mostra-te, para que possas saber o que queres, onde vais e porque o fazes na altura certa. 

 

Metade, metade

 

 

 

Olho para mim e pergunto-me onde fui buscar o meu eu. Muitas coisas foram-me passadas através dos genes. Ainda assim fico espantada quando me vejo com reacções tão parecidas com as tuas. Com manias tão iguais às tuas. Com esta alegria que de repente esmorece e se transforma numa coisa  desgraçada, como uma tristeza que parece não ter fim. 

Já fiz de tudo para não ligar. Parei várias vezes para pensar que não tinha que ser assim. 

Dizem que não há duas pessoas iguais. Não quero justificar o meu eu, dizendo que tenho uma costela tua e que não a posso arrancar. 

Talvez eu seja como tu o eras, uma pessoa de riso fácil com a tristeza no olhar. 

Talvez eu não possa ser alegre sem ter do outro lado da balança o desânimo para me equilibrar. 

Eu sei que apesar de tudo sou forte como tu o eras. A vida tem-me ensinado o quanto é essencial levantar a cabeça e andar para a frente, mesmo quando se está de rastos. 

Tu tiveste uma vida muito mais difícil do que a minha. Com razões de sobra para nem sequer te levantares. E quando eu te via a rir, com toda a sinceridade, pedia para ter metade da tua exuberância, metade da tua fibra, metade da tua graça. 

Aqui estou eu agora, com tantas saudades tuas, a pensar no que me passaste. 

Serei eu metade de ti? Serás tu metade de mim? A outra metade de cada uma de nós será ela original, ou um misto de outras coisas que vêm de outro lado? Seremos nós gotas de orvalho? 

Quantos vezes disfarçaste a tua dor? Quantas vezes disfarço eu a minha? 

Talvez por vezes tenhas sabido usar os ventos para velejares, outras andaste perdida sem saber por onde andar. E eu, dum minuto para o outro sou chuva e sou sol, com tanto que ainda quero dar. 

Não me prometas

 

 

Não me prometas nada. Ou então promete-me não prometeres. 

Eu sei perfeitamente que as tuas intenções são as melhores do mundo, mas também te conheço como a palma das minhas mãos, ou melhor do que a elas. 

Não quero criar expectativas para depois me decepcionar. Já estou habituada a virar-me sozinha, mesmo quando os planos me saem furados. 

Seria óptimo ter-te sempre por aqui, disponível e afável. Acontece que a história é outra bem diferente. 

Faz tempo que não moras aqui. Faz tempo que criaste a tua vida longe da minha, os teus hábitos diferentes dos meus e o teu timimg de acordo com a tua disponibilidade, também ela  discrepante da minha. 

Seria uma injustiça pedir-te que ficasses. 

Seria egoísmo meu se te pedisse o que não me podes dar. 

A tua preocupação para comigo tem sido um grande presente na minha vida. Tens-me dado força a toda a hora, puxado por mim, fazendo com que eu não desista de mim nem do que faço. 

Nem imaginas  o bem que me fazes, mesmo quando eu te digo e me repito, usando as mesmas palavras ou palavras com o mesmo significado. 

A forma que encontro para te agradecer, é dizer-te que te amo com todas as minhas forças e que te apoio incondicionalmente nas decisões que vais tomando e que variam, às vezes da noite para o dia. 

Eu conheço-te como a palma das minhas mãos ou melhor do que a elas. 

Conheço a tua maneira de pensar, a tua pressa e a tua inquietação. 

Conheço a tua alegria e a tua tristeza. 

Conheço os teus sonhos e as tuas indecisões. 

Sei do que és capaz. Conheço a tua valentia, o teu esforço e a tua excentricidade. Conheço os teus ataques de mau feitio e a tua impaciência. 

Mas também sei que não há ninguém com uma alegria tão contagiante quanto a tua. 

Não há ninguém com as mesmas gargalhadas.

Não há ninguém como tu.

E por tão bem te conhecer, peço-te que não me prometas nada. 

Deixa a vida acontecer. E nesses planos que vais fazendo, trocando-os da noite para o dia, sei que de alguma forma, estou sempre lá.

Miúda...

 

 

 

Miúda não tens medo de nada! Ou se calhar os teus medos não são assim tão diferentes dos meus. Apesar de tudo, lá vais tu de mochila às costas sem te importares com os perigos que vais atravessar. 

Tu queres é ir. A partir daí, não importa se vais dormir no chão,  na areia da praia ou num quarto duma pensão barata, dividindo o quarto com quem lá estiver. Estás pronta para tudo isso e muito mais. 

Na verdade o que te fascina é ver o mundo, com o pouco dinheiro que puseste de parte, passando por algumas privações. 

Não te alimentaste assim tão bem durante um ano inteiro, nem não compraste nada de especial, muito menos roupa. Não compraste algumas coisas que para mim seriam essenciais. 

Dividiste as despesas da casa com alguns estranhos, que acabaram por se juntar à lista de amigos que já vinham de trás. 

Dormiste num quarto pequeno sem grandes comodidades, numa casa nos confins do mundo, longe do centro, longe do trabalho, num bairro onde eu duvido que fosse capaz de o escolher para morar. 

Talvez isso faça de ti uma pessoa muito mais corajosa do que eu, muito menos exigente do que eu, muito mais receptiva do que eu. 

Ainda não sabes o que vai ser o dia de amanhã, nem te importa não saber.

Mas sabes, com toda a certeza, dessa vontade incontrolável de partir de mochila às costas rumo a outras paragens. Atrai-te o desconhecido, a aventura, a possibilidade de fazer mais amigos, e melhor ainda se a língua não for a mesma. 

Se ser nómada é a maior das atracções, incluindo o desprendimento quase total, por outro lado isso gera em mim alguma preocupação. Tenho medo que não cries raízes em lado nenhum. 

Que a vontade de viajar seja a razão para não pensares no futuro. 

Que te repugne a ideia de um dia encontrares alguém para constituir uma família. E por mais que eu aprove tudo o que vais fazendo, por mais que eu inveje esse teu atrevimento, tenho que dizer que um dia gostava de ser avó.

No silêncio

 

 

 

 

Ainda não disse tudo. Há muita coisa que nunca disse e vai ficar por dizer. 

Manter-me calada é também uma forma de comunicar, para os que sabem entender o silêncio. 

São muitos anos de prática. 

O meu silêncio não é arrogante. 

Ele acontece e por vezes prolonga-se, por não conhecer palavras que expressem exactamente aquilo que sinto. 

Estou farta de palavras gastas e envelhecidas.

Farta das que chegam para agredir e separar. 

Farta das que não querem dizer nada. 

Cordas vocais que gritam dando azo a discussão, deixam-me num canto encolhida e sem argumentos. A minha falta de resposta vem da oportunidade que não me é concebida e do pouco respeito pela minha opinião. 

Então nesse momento preciso, o silêncio é a única forma de defesa. 

O único trunfo que tenho na mão. 

Mas fico atenta ao que oiço. 

O corpo imóvel tem os sentidos mais apurados. Entram-me por mim adentro palavras ácidas e implacáveis. Palavras que provocam dor, mágoa e inquietação.  

Como tal, nada tenho mais a fazer  senão refugiar-me no silêncio, que diz mais do que todas as palavras que ficarão sempre por dizer. 

Então em silêncio eu peço para ter força e coragem. Peço para continuar a sorrir, para ser sempre livre de sentir e nunca desistir de mim própria.

Ser louca ou ser eu

 

 

 

 

 

Quem me dera poder ser louca por um dia, ou quem sabe ser eu mesma, sem prejudicar nada nem ninguém.

Quem me dera fazer brilhar a minha imaginação e pô-la em prática, percorrer alguns caminhos que me eram destinados, mas que nunca ousei.  

Quem me dera ter a bravura de acreditar em mim própria, atirando-me duma ponte ou dum penhasco, sabendo que o dom de voar me salvaria da ausência, por onde sempre caminhei.

Quem me dera não ser julgada pela vontade  sistemática de dançar até de madrugada, de rir à gargalhada com cenas que me vêm à cabeça e que jamais esquecerei.

Quem me dera entrar por esse mar adentro e nadar até ao horizonte, onde o sol se põe e entra a noite, sem temer a escuridão.

Quem me dera ser tocada por uma estrela ou montar-me num  dragão, viajar pelo mundo de cabelos ao vento, gritando até me faltar a respiração. 

Quem me dera ser louca ou ser eu mesma, acreditar que poderia viver noutro planeta, deixando-me cativar por alguém tão delirante quanto eu. 

Quem me dera poder ser louca sem nunca me cansar, não ligando à consciência que tantas vezes me escondeu.

Quem me dera ser louca e tão lúcida, experimentar sensações libertadoras, sem dor ou sem culpa da arte que me envolveu.  Sentiria apenas a verdadeira independência de todo o meu ser e de toda a minha alma, prolongando esse dia até o apogeu.