Às vezes sinto uma bomba relógio dentro do peito. Sobe uma raiva por mim acima prestes a explodir. Não condiz com a minha figura, dirias tu. É o que digo a mim própria depois dela passar. Enquanto dura é a mais pura das verdades!
É o que exijo e não posso naquele momento ser.
É que o que quero erguer mas fica asfixiado dentro dum buraco donde não consigo sair. Não aguento a resignação à qual sempre me sujeitei, desejando devora-la com toda a minha fome.
O que vou escrevendo nem sempre chega para revolucionar o sistema nem para acabar com a ferida que me toca. Perguntas-me porquê e eu nem sei bem explicar.
São coisas que vêm de trás e que continuaram pela vida fora. A minha revolta é silenciosa e talvez por isso a pior de todas.
Revolta contra quê, perguntas tu. Não consegues perceber ou talvez não o queiras fazer.
Talvez porque tenhas medo de tocar na tua própria ferida. Talvez porque prefiras deixá-la adormecida. Ou talvez a tenhas sabido curar com uma sabedoria que eu não tenho.
Se for esse o caso, invejo-te e respeito-te duma só assentada.
Há dias em que nem me lembro de nada. Outros em que tudo vem ao mesmo tempo, fazendo de mim uma pessoa de quem desejo fugir a sete pés. E no entanto fico e demoro-me. Olho para mim e volto a olhar. Por dentro e por fora.
Estudo-me dos pés à cabeça e tento solucionar-me de alguma forma.
Vou entendendo as razões e perdoando aos que me fizeram e fazem sentir assim.
Perdida e sem luz, confusa que doí!
Não quero ser triste e faço-me de forte, como se fosse o melhor método de cura para a minha sorte.
Sabes que no meu tempo ninguém ia ao psicólogo? Era exclusivo para malucos e ninguém viu em mim a aflita que sempre fui. Tinha um medo da morte que me pelava. Ao engolir um caroço duma azeitona, achava que ia morrer sufocada. Se não sentisse o coração bater a um ritmo tresloucado, corria até que ele disparasse e me deixasse esfalfada.
Talvez se eu tivesse sentido a presença de alguém com quem desabafar, não teria que passar por isto. Ou passaria com outros olhos. O meu andar pela vida seria outro bem diferente. E olha que eu até me esforço!
Não sou daquelas que não dão valor às coisas boas da vida. Dou e agradeço à estrela do meu destino. Adoro rir, adoro dançar e sou grata pela minha persistência. Pinto, escrevo e preenche-me muito do que faço.
O problema é o resto. O resto está cá e faz parte de mim, mesmo que eu não queira.
Mesmo quando não me lembro ou quando estou feliz.
Não tenho como rebobinar a minha vida e começar tudo de novo. E mesmo que tivesse, seria tudo igual com o mesmo baralho.
Não culpo ninguém porque o que sou está em mim. Não vem dos momentos passados nem dos presentes. Vem da forma como os encaro.
E é bom quando tudo passa. Fico mais leve e riu-me com vontade. Vou à minha vida sem problemas e dou-me a quem mais gosto, depois de guardada a bomba o relógio.