Poderia ter escolhido outros exemplos (até porque conheço alguns) mas preferi sair das normas e pegar em ti para falar de um homem bom. Desde o primeiro dia em que te vi, tive a nítida sensação que não me irias desapontar.
Conheço um pouco da tua história e sei que a tua infância não foi fácil (tão distante da minha, onde pude desfrutar de alguns privilégios - tu não).
Vivi livremente, mesmo tendo que cumprir regras, não havendo em mim a consciência do que era NÃO ser livre e viver num bairro pobre.
Acho que nem nunca tinha ouvido a palavra "liberdade" até aos meus 11 anos. E quando a ouvi, foi no meio duma grande confusão. Por isso, talvez não tenha dado a mesma importância do que tu a esse conceito (hoje dou-me conta de que é um tanto ou quanto utópico- acho que ninguém é plenamente livre, vivendo em sociedade, seja ela de que tipo for).
Passaste por algumas dificuldades (também elas tão diferentes das minhas) e partiste bem cedo à procura duma vida melhor. Imagino-te noites a fio sem dormir, antes de tomares a decisão de largares o teu país, a tua família e todo o estado caótico de mudança de regime, mesmo que o regime anterior fosse o pior possível (tu que o digas).
Eras um miúdo. Um miúdo que conhecia coisas feias da vida, a podridão humana nua e crua, tais como a corrupção, as más influências, as drogas, a prostituição e as ruas tristes, frias e sombrias da cidade onde moravas.
Caíste no mundo ocidental ainda teenager, cheio de curiosidade e com uma energia acumulada que precisava de sair do teu mundo cinzento e cabisbaixo.
Aterraste noutra dimensão, também ela difícil por sinal, com uma grande vontade de fazeres pela vida, procurando o tão desejado lugar ao sol.
Trabalhaste desde cedo no duro para te sustentares, deitando o teu corpo exausto ao final do dia, num cantinho que tinhas que partilhar para o poderes pagar.
Os anos foram passando e tu aprendeste muito, mesmo não tendo tirado um curso. Cresceste com a tua experiência, o que às vezes tem mais valor. Além disso, a tua curiosidade levou-te a ler e a saber muito mais do que a maior parte dos homens que andam por ai e se intitulam de doutores (mesmo tendo o direito de o fazer).
Quando te conheci, confesso que fiquei surpreendida.
Eras educado, simpático e carinhoso. Não me chocou nem um pouco a tua tatuagem, muito menos o teu cabelo quase rapado. Na minha terra costuma-se dizer que os homens não se medem aos palmos. No teu caso, prefiro dizer que a tua enorme tatuagem não retrata o teu carácter - (deixemo-nos de preconceitos, eu não os tenho).
O teu ar decidido e a forma como me abordaste, cativaram desde logo a minha atenção.
A tua aparência não faz de ti um homem pior do que muitos que conheço e se julgam melhores do que tu. Muito pelo contrário - até te dá um certo charme!
Além do mais, és independente e trabalhador, honesto e dedicado. Tens uma sensibilidade fora do comum e a constante preocupação em seres melhor nos mais variados aspectos.
Consegues ir ganhando pontos na minha consideração, em todos os campos que considero essenciais. És respeitador, inteligente, sensível e com bastante sentido de humor, uma característica que considero fundamental.
Não critico esse desejo de subir na vida, porque afinal é pelo teu próprio pulso que o fazes. Não passas por cima de ninguém, nem entras em esquemas diabólicos para conseguires o que consideras justo, o que aprovo com a maior admiração.
Foi um privilégio ter-te conhecido e constatar que és aquilo a que chamo de um homem bom, independentemente de tudo o que viste, sentiste e viveste na pequena cidade onde moravas, ainda tão presente no teu grande coração.