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Digo eu

Digo eu

a minha casa

 

 

 

Quando era miúda sonhava em ter uma casa debaixo d'água. Hoje em dia não me passaria pela cabeça tal ideia. Isto só quer dizer que as pessoas vão mudando ao longo da vida, o que faz todo e sentido.

Se os meus sonhos de criança continuassem a martelar-me a cabeça, seria mau sinal. 

Significaria, muito provavelmente, que o meu caminho tinha sido feito todo ao contrário, ou então que nunca teria dado um passo. 

A casa dos meus sonhos é um espaço de luz quente, retratando a minha sensibilidade. 

Uma estrutura bem feita, não necessariamente modernaça, com zonas amplas q.b.

Teria que ter jarras com flores, sofás confortáveis de cores claras, repletos de almofadas étnicas misturadas com outras em tecido de tacto agradável -  também elas com pequenas ou grandes flores  (sou obcecada por almofadas). 

Acho uma certa graça a casas minimalistas mas não são para mim. Teria que sentir a minha vida dentro do meu espaço. Fotografias e quadros seriam tão essenciais quanto estantes cheias de livros e uma boa lareira para me aquecer no inverno. 

Os móveis poderiam ser uma mistura entre o moderno e o antigo/clássico, excluindo por completo as cores escuras e sombrias que me dão arrepios na espinha. 

Tapetes orientais cobririam o chão em madeira clara de tábua corrida, sem cotão a esvoaçar por todo o lado. Limpeza e ordenação seriam sempre fundamentais, tanto quanto sentir-me num ambiente de energia positiva, onde nunca me faltaria a vontade de continuar a expandir e explorar a minha arte.

Pequeno jardim ou um pátio:  árvores - frutos - uma horta. 

Cães - sempre uma fiel boa companhia

A minha casa é quase assim. 

O que vale a pena é amar

 

 

 

 

Já ouvi da tua boca milhares de conselhos e dicas. Já te ouvi dizer que não percebes as minhas reacções, que eu deveria abrir mais a boca para falar sobre o que me incomoda e o que me aflige. 

Provavelmente tens razão e eu sei bem que o fazes por amor, tal como eu sempre fiz contigo. 

Respondo-te que com o passar dos anos, aprende-se muito. A falar só quando é preciso e na altura certa. E essa altura pode não ter nada a ver com a tua, que ferves em pouca água e deitas tudo para fora, arranjando sarna para te coçares. 

É preciso aprender a ter calma. Muita calma e paciência, mesmo que isso tenha como contra-partida o reflexo de uma certa tristeza estampado nos olhos. Ou será sabedoria o facto de reconhecer quando se deve estar calada? 

Gostaria que aprendesses a ver mais o meu outro lado, aquele que ri em alto e bom som e se deleita com as coisas simples da vida. Porque no fundo são elas que importam e nos levam adiante. 

É o amor que tenho por ti que me move até aos confins do mundo. Que me levanta todos os dias e me faz andar, mesmo que não me apeteça rigorosamente nada. É esse amor que tenho dentro do peito que me leva a fazer o que faço, por obrigação ou por prazer. 

Faço-o por mim e faço-o por ti. Porque se eu um dia deixar de ser quem sou, tu vais desconfiar. Vais-me ver como uma estranha que tomou o meu lugar. 

Então, mais uma vez deixa-me que te diga que nem tudo tem que acontecer no mesmo segundo que outras coisas acontecem. A resposta nem sempre tem que ser imediata. É preciso amadurecer e interiorizar. É fundamental deixarmo-nos crescer e ver quais os benefícios e as inconveniências das nossas reacções. Quem vamos magoar, quem vamos ajudar, quem vai lucrar com o que achamos estar certo na altura errada. 

Também te digo que às vezes odiamos quem mais amamos na vida. Porque o amor tem esse lado de também fazer sofrer, de também fazer chorar e de ainda ser capaz de tudo superar. 

Só assim vale a pena viver. Amando e respeitando cada um, sem lhes impor nada. 

Um homem bom

 

 

 

Poderia ter escolhido outros exemplos (até porque conheço alguns) mas preferi sair das normas e pegar em ti para falar de um homem bom. Desde o primeiro dia em que te vi, tive a nítida sensação que não me irias desapontar.  

Conheço um pouco da tua história e sei que a tua infância não foi fácil (tão distante da minha, onde pude desfrutar de alguns privilégios - tu não). 

Vivi livremente, mesmo tendo que cumprir regras, não havendo em mim a consciência do que era NÃO ser livre e viver num bairro pobre. 

Acho que nem nunca tinha ouvido a palavra "liberdade" até aos meus 11 anos. E quando a ouvi, foi no meio duma grande confusão. Por isso, talvez não tenha dado a mesma importância do que tu a esse conceito (hoje dou-me conta de que é um tanto ou quanto utópico- acho que ninguém é plenamente livre, vivendo em sociedade, seja ela de que tipo for).

Passaste por algumas dificuldades (também elas tão diferentes das minhas) e partiste bem cedo à procura duma vida melhor. Imagino-te noites a fio sem dormir, antes de tomares a decisão de largares o teu país, a tua família e todo o estado caótico de mudança de regime, mesmo que o regime anterior fosse o pior possível (tu que o digas).  

Eras um miúdo. Um miúdo que conhecia coisas feias da vida, a podridão humana nua e crua, tais como a corrupção, as más influências, as drogas, a prostituição e as ruas tristes, frias e sombrias da cidade onde moravas. 

Caíste no mundo ocidental ainda teenager, cheio de curiosidade e com uma energia acumulada que precisava de sair do teu mundo cinzento e cabisbaixo.

Aterraste noutra dimensão, também ela difícil por sinal, com uma grande vontade de fazeres pela vida, procurando o tão desejado lugar ao sol.  

Trabalhaste desde cedo no duro para te sustentares, deitando o teu corpo exausto ao final do dia, num cantinho que tinhas que partilhar para o poderes pagar.

Os anos foram passando e tu aprendeste muito, mesmo não tendo tirado um curso. Cresceste com a tua experiência, o que às vezes tem mais valor. Além disso, a tua curiosidade levou-te a ler e a saber muito mais do que a maior parte dos homens que andam por ai e se intitulam de doutores (mesmo tendo o direito de o fazer).  

Quando te conheci, confesso que fiquei surpreendida.

Eras educado, simpático e carinhoso. Não me chocou nem um pouco a tua tatuagem, muito menos o teu cabelo quase rapado. Na minha terra costuma-se dizer que os homens não se medem aos palmos. No teu caso, prefiro dizer que a tua enorme tatuagem não retrata o teu carácter - (deixemo-nos de preconceitos, eu não os tenho).

O teu ar decidido e a forma como me abordaste, cativaram desde logo a minha atenção. 

A tua aparência não faz de ti um homem pior do que muitos que conheço e se julgam melhores do que tu. Muito pelo contrário - até te dá um certo charme!

Além do mais, és independente e trabalhador, honesto  e dedicado. Tens uma sensibilidade fora do comum e a constante preocupação em seres melhor nos mais variados aspectos.

Consegues ir ganhando pontos na minha consideração, em todos os campos que considero essenciais. És respeitador, inteligente, sensível e com bastante sentido de humor, uma característica que considero fundamental.

Não critico esse desejo de subir na vida, porque afinal é pelo teu próprio pulso que o fazes. Não passas por cima de ninguém, nem entras em esquemas diabólicos para conseguires o que consideras justo, o que aprovo com a maior admiração. 

Foi um privilégio ter-te conhecido e constatar que és aquilo a que chamo de um homem bom, independentemente de tudo o que viste, sentiste e viveste na pequena cidade onde moravas, ainda tão presente no teu grande coração.