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Digo eu

Digo eu

É cada vez mais difícil

 

 

 

É cada vez mais difícil estar aqui. Não tenho nada a dizer sobre mim que tu já não saibas, mesmo que seja idealizado por ti. Então tudo passa a fazer parte duma meia verdade e não tenho como me defender da fantasia, mesmo que ela não me faça justiça. 

Tenho que dar a mão à palmatória, reconhecendo que podes até ter razão. 

Porque afinal de contas eu retraio-me, escondo-me e calo-me em vez de mostrar o que tenho dentro de mim. 

Comecei por ser segura, depois virei assustada, tímida e bloqueada, tendo que fingir ser fortaleza, para me proteger do sofrimento que tudo me causava. Não imaginava que um dia o pudesse parecer por fim. Um papel tão convictamente representado, que eu própria me convenço se não serei assim. 

Fecho os olhos, lembrando-me da minha mãe que parecia também ela impenetrável, sem tempo ou lugar para cair. Quanta responsabilidade e quanta preocupação, sem chance para vacilar ou verter uma lágrima, guardando a tristeza dentro de si. 

Não sei onde foi parar o meu espaço que em nada se assemelha ao dela. Razões  para chorar não me faltam mas o hábito foi-se perdendo, nesse espaço desencontrado de mim. Então, em vez de chorar, contenho-me. Em vez de gritar, calo-me. Pareço por isso imperturbável, ou talvez mesmo insensível. Tão ou mais intransponível como a muralha da china que atingiu o seu pico na dinastia de Ming.

Pergunto-me muitas vezes se o papel que represento faz parte duma peça de teatro, se é da minha responsabilidade ou se foi um modo de sobrevivência que me tornou imperfeita do princípio até ao fim.