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Digo eu

Digo eu

Intimidade a quanto obrigas

 

 

 

 

 


Eu sei bem como é difícil ser-se íntimo. A intimidade é assustadora. Todas elas o são. Tu achas que me conheces e eu deixo-te achar. Às vezes até me divirto com isso, vê lá! Viro as costas com um sorriso, encolho os ombros e penso que talvez não valha a pena contrariar. Mas digo-te já que ser intimo de alguém tem muito que se lhe diga. Quer se partilhe o mesmo espaço, quer se reparta um projecto de vida, ou não. Mesmo tendo um amigo do peito a quem normalmente se diz tudo, há sempre algumas reticências no tudo, aquela parte que não se quer revelar. Acho mesmo que há dias em que somos desconcertantes para quem acha que nos conhece como as palmas das suas mãos. 
É preciso estar-se mentalmente disponível para deixar cair todos os panos, deixando ver os segredos, as fraquezas, as fragilidades, tudo o que se guarda lá dentro numa caixa estanque, com o pânico de se ficar desprotegido dos preconceitos e tabus da sociedade em geral.

 

Mas pior do que a sociedade, são às vezes os conhecidos, ou até mesmo os amigos. É tramado. É tramado arriscar. A gente nunca sabe o que nos vai calhar na rifa, quem nos vai perceber ou respeitar, independentemente das crenças, dos valores, da noção do esforço que foi preciso fazer para nos expormos diante de alguém. Eu cá penso sempre duas ou três vezes antes de falar sobre mim. Confesso que tenho uma enorme dificuldade em deitar cá para fora a minha intimidade. Às vezes dá-me para destapar um pouco dos meus mistérios e fico-me por ai, deixando o resto a pairar no ar. 

 

Quer sejamos desconfiados ou corajosos, quer sejamos sensíveis ou desprendidos, lá no fundo somos todos vulneráveis às opiniões dos outros, às perguntas incómodas, aos olhares cínicos, às bocas foleiras. E elas vêm. Mais tarde ou mais cedo caímos na boca do mundo e somos tema de debate, de análise, de reparo ou de censura. É incrível como o povo julga!  Julga e opina, conhecendo-nos bem ou mal, ou mesmo que nunca nos tenha visto nem mais magros nem mais gordos. A malta gosta é de apontar o dedo, de fazer troça, de ser inconveniente quando fala sobre nós. Há coisas que é perigoso dizer porque quem as ouve, pode interpretar duma maneira totalmente diferente da nossa o que pode gerar uma bronca - um mal entendido - um sarilho - Sei lá!  


Ao mesmo tempo temos a necessidade de encontrar intimidade com alguém. Alguém com quem não se faça cerimónia, alguém que não se incomode com a barulho dos nossos passos, nem com o silêncio do que queremos dizer sem verbalizar. Aquela intimidade que nos permite sermos do jeito que somos, amáveis ou insuportáveis, carentes ou seguros, inúteis ou prestáveis. A intimidade segura e simples de alguém que goste de nós em qualquer fase, em qualquer crise, de qualquer jeito e em toda a parte. Talvez até seja possível, se do outro lado encontrarmos alguém que se ofereça para fazer exactamente o mesmo, sem qualquer tipo preocupação ou hostilidade. Nunca se sabe...