Maria frazina - passado e presente
Não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti. Aquela frase martelava-lhe a cabeça com uma força brutal, fazendo eco por todas as partes do seu corpo. Maria franzina não era de dar a outra face mas sabia que devia perdoar. Apesar da sua infância invulgarmente estranha com provas de descuido em relação ao que sofria, apesar de ter comido o pão que o diabo amassou pela personalidade egoísta da sua mãe, não guardava rancor muito menos vontade de se vingar. Tinha com ela uma relação de respeito e, a partir de uma certa altura, até mesmo de proximidade.
Talvez com o passar dos anos Sofia se tenha tornado menos comodista e auto-centrada, aproximando-se da filha, de João universitário e dos netos, sendo mesmo capaz de mostrar o carinho que sentia pelos seus descendentes directos. Recebia-os com simpatia na sua casa de Albarraque, da mesma forma como era recebida na casa de Maria franzina, onde não se notavam sinais de constrangimento. A generosidade de João universitário facilitava o convívio e nos olhos de Sofia notava-se um certo apreço. Quanto a Maria franzina esforçava-se para virar a página do capítulo mais aflito da sua existência.
Já a família de João universitário, tanto pais como irmãos, mantinham com Maria franzina uma ligação de apego sincero. Ela nunca se cansava das suas presenças, daqueles sorrisos afáveis, das histórias de episódios tão bem observados, nem das vozes que as contavam com um sentido de humor anedótico. Sentia que tinha passado a fazer parte daquela bendita aliança, onde todos se defendiam com unhas e dentes, qualquer que fosse a circunstância. Se para eles João universitário era o “ai Jesus”, Maria franzina era a única mulher digna de lhe pertencer. Diga-se de passagem que o facto de ter nascido no mesmo dia e no mesmo ano de António (irmão querido de João universitário) também abonava a seu favor.
Ali estava agora a sua vida animada de parentes, com uma discrepância descomunal em relação ao passado. Maria franzina não se tinha esquecido dos ensinamentos do colégio. Não se tinha esquecido de ter sido forçada a disfarçar os seus sentimentos. Tinha uma maneira própria de pensar e compreender todos os que faziam parte da sua existência, mas nem sempre se conseguia exprimir duma forma clara e evidente, de forma a que os outros a soubessem compreender. Continuava a ser uma solitária no meio duma multidão de gente.