Metade, metade
Olho para mim e pergunto-me onde fui buscar o meu eu. Muitas coisas foram-me passadas através dos genes. Ainda assim fico espantada quando me vejo com reacções tão parecidas com as tuas. Com manias tão iguais às tuas. Com esta alegria que de repente esmorece e se transforma numa coisa desgraçada, como uma tristeza que parece não ter fim.
Já fiz de tudo para não ligar. Parei várias vezes para pensar que não tinha que ser assim.
Dizem que não há duas pessoas iguais. Não quero justificar o meu eu, dizendo que tenho uma costela tua e que não a posso arrancar.
Talvez eu seja como tu o eras, uma pessoa de riso fácil com a tristeza no olhar.
Talvez eu não possa ser alegre sem ter do outro lado da balança o desânimo para me equilibrar.
Eu sei que apesar de tudo sou forte como tu o eras. A vida tem-me ensinado o quanto é essencial levantar a cabeça e andar para a frente, mesmo quando se está de rastos.
Tu tiveste uma vida muito mais difícil do que a minha. Com razões de sobra para nem sequer te levantares. E quando eu te via a rir, com toda a sinceridade, pedia para ter metade da tua exuberância, metade da tua fibra, metade da tua graça.
Aqui estou eu agora, com tantas saudades tuas, a pensar no que me passaste.
Serei eu metade de ti? Serás tu metade de mim? A outra metade de cada uma de nós será ela original, ou um misto de outras coisas que vêm de outro lado? Seremos nós gotas de orvalho?
Quantos vezes disfarçaste a tua dor? Quantas vezes disfarço eu a minha?
Talvez por vezes tenhas sabido usar os ventos para velejares, outras andaste perdida sem saber por onde andar. E eu, dum minuto para o outro sou chuva e sou sol, com tanto que ainda quero dar.