Quanto amor desperdiçado
Andava há séculos indecisa sobre que atitude tomar face a vários assuntos, que, por motivos de força maior, ficavam eternamente adiados.
Arregaçava as mangas ao acordar para dar prioridade às necessidades dos outros, pensando sempre que os outros eram mais importantes do que ela própria.
Nunca saia de casa sem deixar tudo arrumado. Cama feita, loiça lavada, roupa estendida, chão aspirado e todas as almofadas sacudidas, antes de voltarem ao seu lugar.
Tinha uma lista considerável de pessoas a quem tinha que dar atenção, fosse para as acompanhar a consultas, fazer-lhes companhia e aconselha-las, ajuda-las a sair do buraco ou escolher roupa para algum momento especial. Tudo servia de pretexto para socorrer, colaborar e facilitar a vida dos que faziam parte da sua vida e dos que iam entrando nela, por destino ou coincidência.
Jamais passava a bola a quem quer que fosse. Perdia grande parte do seu tempo preocupada em dar-se a quem achava que mais precisava.
Achava ela que só assim fazia sentido andar no mundo. Tudo o que lhe dizia respeito directamente, não considerava primordial. O cantinho onde morava, sempre limpo e arrumado, servia perfeitamente para se sentir satisfeita.
Um dia haveria de ter tempo para tratar das suas carências. O importante era dar-se.
Dar tudo de si aos outros - Paciência, compreensão, carinho e amizade. Tempo. Desdobrava-se em 7 para chegar a todos, sempre com um sorriso na alma e uma enorme dedicação pelos demais.
O mais inacreditável é ter sido abandonada quando foi ela que precisou de ajuda. As suas pernas deixaram um belo dia de se movimentar. A pouco e pouco foi caindo na cama sem se conseguir mexer, com dores de trepar pelas paredes. Sem uma única visita, nem sequer para a ajudar a alimentar-se, morreu na sua cama ao fim de 2 meses de um sofrimento macabro, na mais insólita das solidões, apesar de uma vida inteira dedicada a amar o próximo.