O homem entrou-lhe pela porta, desvairado. Era um daqueles dias de terror absoluto, de gritaria garantida e de insultos por tudo e por nada.
Dos olhos saiam-lhe faíscas, das orelhas sai-lhe fumo como se estivesse possuído pelo demónio.
Bateu com a porta e atirou com as chaves para a mesa da entrada, derrubando o candeeiro que se desfez em pedaços.
Ela suspirou como de costume, revirou os olhos como de costume, tentando manter a calma. Enquanto isso, as pernas tremiam-lhe que nem varas verdes. Nunca se iria habituar àqueles rasgos de loucura, cada vez mais frequentes. Sentia-se infeliz por ela e pelos filhos que não tinham culpa de nada. Quando o homem chegava a casa naquele estado, até as paredes gelavam. Ela aproximava-se de mansinho para lhe beijar a face, na esperança de aliviar a tensão para que, ao jantar houvesse alguma harmonia no convívio em família. Os filhos pequeninos perfilados à porta pronunciavam um tímido “olá pai” ainda sabendo que o caldo já estava entornado. Eles não percebiam os ataques de mau génio do pai, de quem tanto gostavam em dias normais. Não podiam entender aquela hostilidade gratuita para a qual o pai não dava explicações. Naqueles momentos, qualquer diálogo era impossível e o silêncio a melhor solução de todas, senão a única plausível. As oscilações de humor afectavam de forma drástica os comportamentos de toda a gente e o homem não tinha bem consciência desse horror. Depois da fúria passada, queria todos à sua volta, envolve-los nos seus braços e sentir de volta as mesmas manifestações de amor. Era difícil. Era cada vez mais difícil haver uma correspondência espontânea de afecto entre homem e mulher, pai e filhos, que cresciam com uma ideia deturpada sobre o que era o amor. Começando no pai e nas suas oscilações de humor tão incompreensíveis, todos precisavam de uma ajuda urgente e precisa. Não era possível haver paz nem alegria no ambiente disfuncional daquela família.